“O caso das gémeas de Santa Maria é uma fotografia do país dos jeitinhos, em que dar uma palavrinha à pessoa certa passa à frente do cumprimento de regras e de procedimentos estabelecidos. Há coisas que ainda não sabemos mas há uma coisa que já é óbvia: num país em que as pessoas têm de ir às cinco da manhã para a porta de um centro de Saúde para tirar uma senha não podemos ter um secretário de Estado da Saúde a marcar consultas e a apressar certos processos”, aponta Tiago Freire, diretor da EXAME.
O tema está a colocar uma pressão inédita sobre o Presidente da República. Nuno Aguiar considera que Marcelo Rebelo de Sousa tentou que as suas explicações fossem a última palavra sobre o caso, mas provou-se nesse momento e nas suas intervenções seguintes que o assunto não está encerrado. “O Presidente diz que tratou o email do filho como trataria qualquer outra pessoa, mas o filho do Presidente não é uma pessoa qualquer e Marcelo sabe isso”, afirma o jornalista. “E, se apenas reencaminhou para o governo, porquê saber junto do hospital como estavam as coisas?”
Nuno Aguiar nota que a administração do tratamento às duas irmãs “está a tornar-se num assunto de campanha, com o PSD a tentar defender Marcelo e certos segmentos do PS a aproveitarem para se vingarem do Presidente, dando-lhe a provar do seu veneno”. “Esta postura é ter vistas curtas. Já estamos numa situação de grande descredibilização das instituições e seria importante ter um Presidente com poderes intactos para enfrentar o que promete ser um cenário pós-eleitoral complicado.”
“O caso das gémeas está a ser usado para combate político tanto pela esquerda, que está a vingar de Marcelo Rebelo de Sousa e do facto de ter dissolvido a AR, como pela direita, que está a tentar iliba-lo e a chutar as culpas para o Governo. Deviam todos ter mais tato e cautela, porque isto faz ricochete em todas as direções e descredibiliza as instituições democráticas, e só há um partido que beneficia com isso”, destaca Mafalda Anjos.
“Já ninguém tem muitas dúvidas que houve favorecimento neste caso das gémeas. Resta saber se este favorecimento foi resultado de um pedido explícito do PR, de um elemento do Governo ou excesso de zelo reverencial de alguém. Quem decidiu administrar o medicamento? Por iniciativa própria, tendo em conta estritamente critérios médicos, ou a pedido de outrem? É o que falta saber… mas era bom que não ficassem as culpas apenas na pessoa que está no fim da linha”, explica a diretora da VISÃO.
O segundo tema em debate no Olho Vivo foi a localização do novo aeroporto, que teve desenvolvimentos recentes com a publicação do parecer técnico da comissão independente. Das várias opções analisadas, a comissão considera que Montijo e Santarém não são adequadas e conclui que Alcochete, em primeiro lugar, e Vendas Novas têm as melhores classificações nos diferentes critérios.
“Um zapping rápido pela TV no dia do anúncio permite perceber porque é não tomámos uma decisão sobre a nova localização em mais de 50 anos. Além de todos terem uma opinião diferente, são capazes de arrasar a opção escolhida. Todas as hipóteses têm desvantagens. Nesta altura em que já temos toda a informação técnica, o que precisamos é de tomar uma decisão e aceitar que ela será criticada”, refere Nuno Aguiar.
“Há muitos lobbies, uns que identificamos e outros não, à volta do tema do novo aeroporto, desde sempre. Agora está até a surgir uma corrente surpreendente em que parece que, afinal, não precisamos assim tanto de um novo aeroporto, que é caro. Esta é uma obra estrutural, estruturante e que deve servir durante cem anos. Se tem de fazer, nesse espírito, compreendo que seja algo para fazer em grande, bem feito”, adianta Tiago Freire.
Para Mafalda Anjos, este “modelo da comissão técnica independente é muito feliz”. “Deve ser utilizado noutros temas que têm uma componente técnica e exigem reformas estruturais, porque permite decisões políticas partilhadas”, sublinha.
No entanto, a posição do PSD parece ser ambígua. Alguns dirigentes têm atacado a comissão e Luís Montenegro prometeu criar uma comissão para estudar as conclusões desta comissão. “Em plena pré-campanha eleitoral, não fica bem a Luís Montenegro anunciar a criação de mais um grupo de trabalho dentro do partido para estudar as conclusões do estudo da comissão que o próprio ajudou a empossar, porque dá ideia de incapacidade de decisão. Razão tinha Paulo Rangel quando propunha um governo-sombra dentro do PSD para evitar este tipo de coisas”, diz Mafalda Anjos. “Por este andar, isto já dura há 50 anos e corremos risco de ter aeroporto só lá para 2050…”, acrescenta a diretora da VISÃO.
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