E tudo a Influencer levou. “Foram os nove dias mais vertiginosos da história da democracia portuguesa. O que parecia uma montanha pariu afinal um rato, e o caso revelou-se menos sólido do que à partida parecia indiciado. O Tribunal Central de Instrução Criminal não validou os crimes de prevaricação e corrupção imputados a alguns dos arguidos e, ao fim de seis longos dias nos calabouços, ninguém ficou em prisão preventiva. O nome da operação faz agora mais sentido: como as influencers das redes sociais, parece tudo superficial, mas impactante. Ainda a parada vai no adro, até dia 10 de março faltam 4 meses, mas já cheira – e muito – a campanha eleitoral“, arranca Mafalda Anjos, diretora da VISÃO.
Para o jornalista Nuno Aguiar, a última semana pode ter representado uma viragem na confiança nas instituições. “Há um sentimento difícil de definir de que podemos ter ultrapassado uma barreira na forma como olhamos para a justiça”, refere. “A maior violência que um Estado pode fazer sobre os seus cidadãos é tirar-lhes a liberdade. Nuno Mascarenhas [presidente da câmara de Sines] esteve preso seis dias e saiu sem ser indiciado por qualquer crime. Não há um sobressalto cívico por causa disto?”
Filipe Luís concorda que a imagem da Justiça sai beliscada. “Há dois planos, no caso Influencer: por um lado, se o MP apenas investigasse os casos em que tem a certeza de que haveria uma acusação e até mesmo uma condenação, não investigava nada – a não ser os crimes cometidos em flagrante delito. Por outro lado, este caso concreto merecia ser tratado com pinças e bom senso e, conhecendo-se as implicações, ter a solidez suficiente para que tivesse verdadeira credibilidade“, diz o editor-executivo da VISÃO. “Não via uma semana politicamente tão turbulenta desde o PREC. Talvez desde o 25 de Novembro que agora comemora 49 anos…”
“Tudo isto é grave, porque a confiança no sistema judicial é um dos pilares da democracia. Perceber isto só agrava o desalento e a credibilidade do sistema – ganhando os clássicos anti-sistema“, destaca Mafalda Anjos.
Centeno, uma reação exagerada
Sobre o “convite” a Mário Centeno que gerou uma polémica entre o Presidente da República e o Governador do Banco de Portugal, que teve de esclarecer o que tinha dito ao Financial Times, Filipe Luís sublinha os termos constitucionais. “Não pode ter havido qualquer convite. O primeiro-ministro não pode designar um sucessor, em estilo de monarquia. E, desde a revisão constitucional de 1982 que não há governos de iniciativa presidencial e, portanto, o PR também não pode convidar uma figura. O que pode fazer, se quiser evitar dissolver a Assembleia, é perguntar ao partido mais votado se deseja apresentar uma segunda figura que substitua o primeiro-ministro demissionário. É o PS que tem de designar um nome. Portanto, todo este caso é uma inexistência. E Marcelo, no seu comunicado, que não devia ter divulgado naquela madrugada, mas, com calma, no dia seguinte, devia ter sido pedagógico e explicado isto mesmo”, reflete.
Mafalda Anjos diz que existiu muita precipitação na forma como o caso foi conduzido e analisado, que se explica pelo facto de “a campanha eleitoral já ter começado”. “Há duas figuras jurídicas que ajudam a compreender o que se passou, e deu origem a questões semânticas. O convite a contratar é uma sondagem sem valor vinculativo, a abertura de um processo negocial, algo completamente diferente de uma a proposta contratual que é um convite formal. Centeno foi sondado, às primeiras horas, para pensar numa eventualidade que nunca se verificou, nunca chegou a existir um convite nem a hipótese se colocou. Ver nisso algo que tolda a sua independência não faz qualquer sentido e é irresponsável pedir a sua saída, o que agravaria ainda mais a crise nacional, somando-lhe uma crise financeira. Tem faltado muito bom senso”, sublinha a diretora da VISÃO.
“Mário Centeno não desceu imaculado para a posição de governador do Banco de Portugal. Ele foi ministro das Finanças de um governo do Partido Socialista. Não vejo como há aqui uma novidade sobre a sua independência, nem como terá cometido alguma violação ética”, avalia Nuno Aguiar. “Mas há críticas a fazer ao governador, que se tem revelado politicamente ambicioso. Isso vê-se nos briefings off the record que se tornaram grandes conferências de imprensa ou numa comunicação pessoal inédita feita através do Banco de Portugal. Comenta desenvolvimentos de atualidade e tenta condicionar a política do Governo. Nunca tivemos um governador tão político. Centeno tem utilizado o cargo para se promover. Veremos se para um cargo em Portugal ou lá fora.”
“É tudo um jogo político: a direita não perdoa a Centeno o facto de ele lhe ter roubado o discurso das contas certas. Afinal, o diabo anunciado por Passos Coelho era Mário Centeno…”, diz Filipe Luís,
O “centramento” de Pedro Nuno Santos
O tom da candidatura de Pedro Nuno Santos à liderança do PS foi certeiro, concorda este painel de olheiros do Olho Vivo.
“Na sua declaração, PNS foi muito inteligente: com a sua história pessoal em S. João da Madeira, humanizou-se. Depois, reconheceu erros, mas justificou-os pelo facto de fazer coisas. Assumiu, com elegância, a herança do legado de António Costa. Escolheu três temas, fortes de campanha, mas ignorou outros, como a luta dos professores e dos médicos, que escaldam. Num dos temas eleitos, fala de salários, mas também das empresas, num discurso de concertação social que remete para o seu apoiante Francisco Assis. E, finalmente, malhou na direita, piscando os olhos ao eleitorado mais à esquerda, bem como à geringonça. Mesmo que não seja, para já, maioritário no PS, conseguiu uma dinâmica de vitória interna que pode influenciar os militantes”, diz Filipe Luís.
“Acho que desvalorizamos três características de Pedro Nuno Santos: ele é capaz de mobilizar, não apenas para as pessoas escolherem PS em vez de PSD, mas para as fazer ir votar; ele está a vontade a falar para o mundo empresarial; e ele teve o instinto de virar ao centro, veremos se por estratégia eleitoral ou seguindo o percurso de outros líderes socialistas”, enumera Nuno Aguiar. “O que ele não é ainda é a referência de estabilidade em que António Costa se tornou. Quem deseje mudar, tem aqui um candidato que quer fazer mais, mas eleitores conservadores podem temer esse perfil.”
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