O Parlamento discutiu segunda e terça-feira na generalidade a proposta de Orçamento do Estado para 2024, e a discussão aqueceu no tema dos impostos (cuja descida do IRS o primeiro-ministro disse que era para o PSD apenas um amor de verão) e na carga fiscal (Luís Montenegro retorquiu na rede social em tempo real que subir impostos era, para António Costa, um amor para toda a vida). A TAP foi tema central durante o debate, claro está, na semana em que o decreto de privatização foi vetado pelo Presidente da República, justificado depois como uma proteção do governo… de si próprio, um processo que o PR diz que tem de ser “certinho”.
Para Filipe Luís, Marcelo Rebelo de Sousa fez muito bem em vetar e pedir mais transparência. “O segredo é a alma do negócio, mas este não é um negócio entre privados. E o processo de privatização da TAP ainda está envolvido em grande opacidade”, enquadra o editor-executivo da VISÃO.
Nuno Aguiar concorda. “O Presidente tem razão quando diz que falta transparência, quando diz que falta esclarecer qual é o perímetro da privatização e que é garantias existem sobre o papel do Estado”, refere. “Existe uma tensão entre transparência e a melhor negociação possível, mas este não é um negócio entre privados. O Governo deve esclarecimentos aos contribuintes.”
“O debate sobre o orçamento mostrou que a principal fonte de crítica do Governo está dentro do PS”, afirmou Nuno Aguiar, referindo-se a Pedro Nuno Santos e ao seu novo espaço de comentário, onde vai criticando o Executivo liderado por António Costa. “A forma como foi desenhado o Orçamento do Estado – com prioridade ao equilíbrio das contas e ao alívio de IRS – esvaziou a oposição do PSD. A crítica que tem mais sustentação é no campo dos serviços públicos, mas é difícil ele entrar num orçamento dominado pela discussão fiscal.”
“A TAP é apenas uma amostra do que pode vir aí: há dois partidos socialistas distintos, dentro do mesmo PS. O primeiro-ministro decidiu pela privatização e o ministro das Finanças, Fernando Medina, até admitiu que ela pode ser total. Ora, Pedro Nuno Santos defende que o Estado deve continuar a ter uma posição maioritária. Por detrás da TAP, estão muitas outras matérias que distinguem estes dois candidatos à sucessão de Costa, na forma como veem as políticas públicas, a governação e a economia. Mais tarde ou mais cedo, os dois átomos do núcleo do PS, Pedro Nuno Santos e Fernando Medina, vão atingir o ponto de fissão interna“, diz Filipe Luís.
Para Mafalda Anjos, a visão de Pedro Nuno Santos sobre a TAP “revela alguma ingenuidade”. “Por um lado, diz que o hub em Lisboa não deve ser tema, porque é por ele que as companhias aéreas têm interesse. Ora isso é verdade hoje, mas as coisas mudam muito depressa neste mercado, e não sabemos se pode ser mais interessante estar noutro sítio amanhã. Parece-me importante que isso fique acautelado em contrato. Por outro lado, diz que o estado deve manter posição dominante na TAP. Mas a questão é qual é que seria a companhia que teria interesse em entrar no capital de uma empresa pública portuguesa sobre a qual não tem o controlo e que é um imbróglio político permanente, que já fez demissões no Governo, comissões parlamentares de inquérito, e é um ativo tóxico para qualquer Governo? A realidade esbarra com estas intenções ingénuas”, entende a diretora da VISÃO.
Um orçamento ao centro
Sobre as linhas gerais do orçamento, foi notória a dificuldade de crítica por parte da oposição. “Se, por absurdo, tivéssemos, hoje um Governo de Bloco Central, o Orçamento para 2024 seria exatamente este, sem tirar nem por…”, diz Filipe Luís.
Mafalda Anjos concorda: “Este é um orçamento que o PSD gostaria de ter feito. Por um lado, vai até mais longe no alívio fiscal da tributação sobre o rendimento, por outro, por outro é cauteloso e preocupa-se com contas certas, redução da dívida e antecipação de incertezas futuras. Com esta conjugação, que sempre foram as linhas gerais da política orçamental laranja, é muito difícil criticar o parlamento com consistência, para além de uns números de teatro, matéria onde à sua direita o PSD tem que seja especialista”.
Regresso do antissemitismo
Lá fora, o clima continua de alta tensão, com o conflito do Médio Oriente a concentrar as atenções mediáticas e a preocupar o mundo, cada vez mais polarizado nas reações. “Uma coisa é certa: o antissemitismo está de volta e em força e isso tem de nos inquietar a todos”, afirma Mafalda Anjos.
“O antissemitismo sempre foi ou religioso, ou económico – e hoje é politico, o que abarca tudo. Nós próprios, na nossa História, tratámos mito mal os judeus, só não tínhamos as câmaras de gás… Ora, sendo o antissemitismo uma realidade, ele esta sempre lá. Pode estar adormecido, mas, em tempos de crise como esta, ele imerge à superfície”, destaca Filipe Luís.
“Esse crescimento factual do antissemitismo – há mais denúncias, há mais casos tem sido acompanhado por uma tentativa de calar críticas a Israel”, aponta Nuno Aguiar. “Não há melhor exemplo do que o embaixador de Israel às Nações Unidas, que apareceu com uma estrela de David, sendo até criticado pelo diretor do Memorial do Holocausto.” Mafalda Anjos concorda: “foi vitimização e propaganda da pior espécie, ofensiva para as vítimas da perseguição nazi. Tantos israelitas como palestinianos são vítimas destes representantes e líderes políticos”.
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