Paz, pão, habitação, saúde e educação. Desde 1974 que são estes os valores e os direitos mais importantes para os portugueses, como imortalizou Sérgio Godinho na famosa canção de intervenção “Liberdade”.
“Mudam-se os tempos, mas estas vontades perduram. Só que falta a paz na Europa, o pão está cada vez mais caro e a habitação também”, arranca Mafalda Anjos. “A estabilização durante dois anos o valor das prestações do crédito à habitação, com deferimento do pagamento de 30% dos juros durante dois anos e o alargamento do apoio à bonificação dos juros vem ajudar as famílias que estão numa situação de maior pressão, é indiscutível. Mas a questão é se o Governo se estará a concentrar-se demasiado nas medidas de apoio, assistencialistas, como as que são anunciadas hoje, e não em medidas eficazes que influenciem de facto o mercado e travem a subida dos preços da habitação”, pergunta a diretora da VISÃO. “Em seis anos, o custo da habitação subiu mais de 80% em Portugal. Nos últimos três anos, subiu a uma média de 10% ao ano. E a verdade é que combater este problema estrutural não foi durante muito tempo uma prioridade, tal como não foi o aumento do parque público, nos 2% quando na Europa está nos 8%. Agora temos a tempestade perfeita: crise na habitação e crise monetária, com as taxas em máximos”, acrescenta.
“Nesta altura precisamos mesmo de medidas de emergência. Estamos a atravessar a mais agressiva subida de juros de sempre na zona. A medida de redução das prestações está desenhada de forma inteligente – sem custos para o Estado nem para os bancos – e junta-se ao apoio às rendas e à bonificação dos juros, essa sim que deverá continuar a ter impacto limitado, mesmo com as mudanças”, refere o jornalista Nuno Aguiar.
Contudo, o problema da habitação é estrutural e não se resolve apenas apagando fogos. Nesse capítulo, a atuação do Governo é mais desapontante. “O Mais Habitação é uma oportunidade perdida. Fica a meio da ponte, procurando não desagradar à esquerda nem à direita”, critica Nuno Aguiar, dando como exemplo a atuação na limitação dos aumentos das rendas e na regulação do Alojamento Local (AL). “Acaba por gerar insatisfação de setores interessados sem fazer diferença no mercado. É o estilo de atuação de António Costa: tentar governar sem fazer ondas.”
Reconheço a inteligência desta medida da ‘moratória’ de parte dos juros. E ela vai aliviar muitas famílias. Mas não é estrutural: não deixa de ser empurrar o problema com a barriga. Sabe-se lá se, daqui a dois, quatro ou seis anos, as famílias não estarão, ainda, em pior situação… E depois?…
Para Filipe Luís, há inteligência na medida da ‘moratória’ de parte dos juros, porque vai aliviar muitas famílias, mas não é estrutural. Há dois aspetos no pacote Mais Habitação que o Governo devia ter corrigido: “acabar com a ideia do arrendamento compulsivo de casas devolutas, uma teimosia dispensável que, ainda por cima, sem a colaboração das câmaras, não terá qualquer efeito; e acabar com a taxa especial para o Alojamento Local – esta taxa não vai colocar no mercado uma única habitação acessível e antagoniza um setor que é estratégico para sustentar a única indústria portuguesa digna desse nome: o Turismo”, afirma o editor-executivo da VISÃO.
“Se as receitas da taxa do AL fossem aplicadas exclusivamente na construção pública, poderia ter algum efeito, mas apenas simbólico: quantas casas, na prática, o Estado poderia construir, por ano, com essa verba? Poucas, com certeza. A taxa do AL é uma medida populista. E é persecutória e antieconómica. Já o programa de arrendamento acessível tem sido um completo fiasco. Será que o Governo vai mexer nisto? Se não vai, devia”, acrescenta.
Moção de censura a quem?
Em análise estará também a moção de censura apresentada pelo Chega no Parlamento. “Feito o debate, impõe-se a pergunta: afinal, a censura era para quem, para o Governo ou para a direita moderada?”. Uma pergunta de retórica de Mafalda Anjos, que continua: “A frase resumiu o dia: ‘Se não se entendem sobre a censura ao Governo a que se opõem, como é que se hão de entender para construir uma alternativa?’. Estes debates parecem o futebol, onde se diz que são 11 contra 11 e no fim ganha a Alemanha. Aqui são todos contra Costa, e no fim ganha ele”.
“A moção de censura do Chega não tem qualquer racional político. Serviu para expor as divisões à direita e para dar palco a António Costa, que se mostrou, aliás, bastante divertido com as farpas de André Ventura aos outros partidos da direita. Houve mesmo um momento em que Costa até aplaudiu Ventura, o que confirma uma certa química, que não é de agora, entre os dois…”, afirma Filipe Luís. “Só existe uma explicação para esta moção a destempo e sem um pretexto direto: as eleições na Madeira. O Chega quer encurralar o PSD, nesta semana crucial, e capitalizar a sua iniciativa na campanha regional. Como se viu, esta semana, na Madeira. Aliás, Ventura tem estado, praticamente, a viver na Ilha e só deu um salto a Lisboa para a discussão da moção de censura…”, acrescenta.
“As sondagens na Madeira mostram que o melhor antídoto para o Chega é um PSD forte e capaz de ganhar eleições. Só assim ele será esvaziado. Algo que existe na Madeira, mas que há mais dúvidas que exista a nível nacional”, antecipa Nuno Aguiar.
Mal esteve a Iniciativa Liberal: “O PSD esteve sem chama e a IL foi a reboque, mesmo tendo o seu líder sido humilhado, no plenário, por André Ventura. Não sei se, com Cotrim de Figueiredo na liderança da IL, isto teria sido possível…”, critica Filipe Luís.
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