Esta semana, Portugal assistiu a um curso rápido de como desembrulhar um imbróglio diplomático. “Assistimos a como desconvidar um Presidente de uma nação irmã para um evento nacional para o qual tinha sido convidado. Um discurso de Lula da Silva fora das comemorações oficiais do 25 de Abril solução encontrada por Augusto Santos Silva com os líderes parlamentares para resolver uma gaffe institucional – a saída airosa possível”, enquadrou Mafalda Anjos, diretora da VISÃO, que questiona: “Fica a dúvida: quem convidou, afinal? Foi mais uma gaffe de João Gomes Cravinho ou uma marcelice?”
Filipe Luís pende para a segunda hipótese. “Marcelo foi primeiro a anunciar, na altura da posse de Lula, que tinha convidado o presidente brasileiro e que ele iria ‘participar na cerimónia do 25 de Abril’. Na altura, ninguém deu por isso… Mas seria curioso verificar quem afinal, terá tido a ideia…”, diz o editor-executivo da VISÃO.
Para Tiago Freire, diretor da Exame convidado para o programa desta semana, “a questão do convite é uma trapalhada institucional da qual ninguém sai bem, do Presidente ao Governo”. E continua: “Acho muito bem que o Presidente Lula seja recebido com todas as honras, até pela ligação tão importante que temos e sempre tivemos com o Brasil. E o Parlamento tem todo o direito e faz sentido que o convide e o homenageie. Fazer isso na cerimónia do 25 de Abril é disparatado e uma falta de bom senso. Sabendo que é uma figura divisiva no espectro partidário com representação no parlamento, isso levaria a que todas as atenções se focassem nos protestos e na teatralização do Chega ou da Iniciativa Liberal. Seria mau para a cerimónia porque ninguém ia querer saber do próprio 25 de Abril.”
“A presença de Lula nesta sessão daria um sinal errado, nas vésperas das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril. Não apenas porque ele, hoje, goste-se ou deteste-se, é de facto uma figura divisiva, como está muito marcado ideologicamente. Ora, o debate é antigo: há uns donos do 25 de Abril? A esquerda é dona do 25 de Abril? Ou o 25 de Abril é de todos, incluindo da direita democrática, que também se bateu contra a ditadura?”, diz Filipe Luís.
Para Mafalda Anjos, espanta a falta de bom senso e sensibilidade política na ideia de convidar Lula para esta celebração. “Lula da Silva importaria para Portugal a cisão que abre na sociedade brasileira, na altura em que mais é essencial unir todos em torno da revolução, nas vésperas do cinquentenário do 25 de Abril. A data, tal como o 25 de Novembro, é sempre palco de lutas ideológicas e guerras proprietárias, e o fosso esquerda / direita seria agravado. Não faz qualquer sentido”, diz.
Outro tema em análise nesta edição foi o eventual regresso de Pedro Passos Coelho à política, assinalado como hipótese pelo Presidente da República num encontro público que aconteceu esta semana e onde ambos discursaram.
“Passos Coelho é uma espécie de Bigfoot da política portuguesa: anda desaparecido longos períodos de tempo e depois qualquer avistamento gera uma grande comoção”, diz Tiago Freire. “Há até a própria discussão de se o Pedro Passos Coelho político ainda existe mesmo. Mas exista ou não, queira ele voltar ou não, é inegável que de cada vez que se fala nesse possível regresso toda a gente presta atenção. Isto quer dizer alguma coisa, que ele continua a ter esse peso. Se ele vai voltar ou não, acho que estamos a tentar ler coisas nas folhas de chá, a interpretar o que quis ele dizer com as suas palavras. Marcelo Rebelo de Sousa quis deixar essas palavras escritas em pedra e atribuir-lhes um significado, o que causou visivelmente um grande incómodo, que se entende, em Luis Montenegro”, comenta.
Mafalda Anjos concorda e diz que “há grande euforia no culto dos saudosistas do passismo”. “Passos Coelho assume uma aura de sebastianismo e percebe-se porquê: tem uma gravitas evidente, consegue agregar as direitas e marcar um território que está a resvalar para as alternativas ao PSD. Seria muito mais capaz de travar o Chega, mas tem dificuldades no eleitorado flutuante ao centro, sobretudo nos pensionistas e nos funcionários públicos, que não se esqueceram de ideias como ‘ir além da Troika’ e ‘Portugal só sai da crise se empobrecer'”. A diretora da VISÃO acredita que “Passos Coelho só voltará se for chamado para uma espécie de missão de salvação, caso Montenegro tenha um mau resultado nas Europeias.”
“Passos Coelho é muito mais do que o PSD: ele é o líder na sombra da direita portuguesa. Uma reserva da direita”, resume Filipe Luís. “Passos tem um perfil executivo. Não estará interessado em ir para Belém. Quer desforrar-se de 2015 e voltar a ser primeiro-ministro – mas só regressa se tiver a certeza de que ganha. Até lá, pode estar interessado num lugar de recuo, na Europa. Mário Soares, depois de ter sido Presidente, foi cabeça de lista do PS às Europeias, com o pretexto de que iria ser o futuro presidente do Parlamento Europeu…”, diz. E acresceta: “Tudo depende das circunstâncias. As suas posições polémicas, quando governou e foi para além da troika, etc., ser-lhe-ão atiradas à cara. Mas o tempo passa… Por exemplo: foi ele que “congelou” os professores, e, no entanto, quem está a pagar as favas é António Costa e o atual ministro da Educação… Já ninguém se lembra…”
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