É o assunto político da semana. Depois de seis anos a ser discutida no Parlamento, dois vetos de Marcelo Rebelo de Sousa, duas avaliações de inconstitucionalidade pelo Tribunal Constitucional, vários pedidos de referendo chumbados, e três adiamentos de votação recentes, a legalização da eutanásia foi novamente aprovada com os votos de PS, BE e IL na comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais da Assembleia da República e está pronta para ir a votos no plenário na próxima sexta-feira. A aprovação parece garantida.
Depois de nova proposta do PSD nesse sentido, o assunto voltou para cima da mesa: faria sentido referendar a eutanásia? O painel de olheiros residente da VISÃO foi unânime: “não”.
“Há muito tempo que se conhece quer a posição dos partidos sobre a eutanásia, quer a disposição de cada um de levar o tema à votação parlamentar, quer o sentido de voto maioritário no Parlamento. As pessoas, ao votar, estavam informadas sobre essa matéria. Pessoalmente, não me consigo decidir entre o sim e o não. Ou seja, aceitarei a decisão tomada pelo Parlamento, devidamente respaldada pelo Tribunal Constitucional. E é assim que deve ser. É para isso que servem os deputados”, destaca Filipe Luís. Acrescenta o ditor-executivo da VISÃO: “Os deputados não devem esconder-se atrás de um referendo. Luís Montenegro também tentou esconder-se atrás do referendo – embora, com a sua proposta de referendar a eutanásia, também esteja a marcar uma posição perante o eleitorado conservador, sem se comprometer demasiado…”
“Não faz sentido referendo quando sabemos o que os partidos defendem sobre o tema e já sabíamos antes das eleições. Olhando para o Parlamento, parece até haver bastante consenso sobre a aprovação desta lei. Os portugueses julgarão depois os partidos em eleições, se não estiverem satisfeitos”, nota o jornalista Nuno Aguiar.
Mafalda Anjos sublinha que os referendos são instrumentos jurídicos que não devem ser utilizados nestas situações. “Em causa estão direitos essenciais, como o direito à vida e a liberdade de autodeterminação. E os referendos não devem se utilizados para referendar matérias de direitos fundamentais. Matérias como os direitos das minorias, ou das pessoas racializadas, ou mesmo das mulheres, não devem ser colocadas a um referendo. Todas estas alterações legislativas, feitas ao longo dos tempos, que são avanços civilizacionais, são muito sensíveis, têm minudências que a polarização de um debate num referendo não apanha”, afirma a diretora da VISÃO. ” E há uma enorme incongruência em quem, como Luís Montenegro, ao pedir o referendo alega que esta é uma matéria de consciência individual. Se assim é, então que se dê a cada um o direito de, em consciência individual, poder escolher o que quer fazer numa situação destas, que é o que permite a lei”, nota.
“Luís Montenegro está a tentar marcar uma posição política, procurando não deixar que o descontentamento com esta lei seja capturado pelo Chega”, refere o jornalista Nuno Aguiar. “Tenho é dúvidas que esta exposição seja positiva para o líder do PSD. Por um lado, uma sondagem recente disse-nos que os eleitores do PSD são mais religiosos do que os do Chega. Por outro, nem sequer se compromete com uma posição sobre o tema.”
“Toda a gente conhece a posição de Marcelo Rebelo de Sousa sobre a eutanásia. Mas o Presidente também se tem escondido atrás do Tribunal Constitucional. Embora pessoalmente contra a eutanásia, o PR encontra sempre argumentos estritamente jurídicos que conduzam ao veto. Ora, o que é válido para os partidos, é válido para ele: quando os portugueses o elegeram, também sabiam o que ele pensa sobre o assunto. Deve assumir as suas posições”, dis Filipe Luís.
Mafalda Anjos destaca, no entanto, que mesmo para quem é favorável à eutanásia, deve preocupar o risco da “rampa descendente” que aconteceu nalguns países. “A inclusão cada vez maior de casos abrangidos pela lei, seja por interpretação extensiva ou por alteração legislativa, é mesmo de evitar. E isso deve preocupar todos e não apenas os que são contra a legalização da morte medicamente assistida”.
Outro assunto político essencial é a remodelação do governo feita na semana passada, e que não foi tão mini assim. “Somam-se sete saídas por demissão ou pedido de saída em 8 meses, 10 mexidas de pastas – quase 20% do executivo mudado. Um ritmo vertiginoso que, a manter-se, daria quase para ter um governo totalmente com caras novas no fim da legislatura…”, enquadra Mafalda Anjos.
Para Filipe Luís, a mais recente mudança de secretário de Estado é apenas o último episódio de uma longa remodelação que dura quase desde o início do Governo, tantos foram os chamados “ajustamentos”… “O que revela más escolhas e falta de discernimento, a montante, na composição de um Executivo que, sendo de maioria absoluta, não devia dar estes sinais. Mais: se contarmos os sucessivos casos que têm envolvido outros membros do Governo, de Pedro Nuno Santos a Ana Abrunhosa, as remodelações ainda podiam, e se calhar, deviam ter sido mais numerosas…”, afirma.
“As remodelações mostram que este Governo foi mal construído desde o início. Talvez António Costa achasse que, com maioria absoluta, seria possível governar em piloto automático, mas a guerra e esta crise nos preços tornaram o arranque mais complicado”, sublinha Nuno Aguiar. “Dois anos deste mandato já estarão perdidos a lidar com esta crise, António Costa está num contra-relógio para construir um legado, para além de gestor de crises.”
Mafalda Anjos diz que este é um “governo deslaçado e desorientado, que parece ter sete anos e não oito meses, agravado pelo facto de ter o conforto de uma maioria absoluta, que dá uma espécie de respaldo que é sentido individual e coletivamente pelos membros do Executivo”. António Costa devia “ganhar consciência do problema, e fazer ‘Ctrl+Alt+Delete’ e depois ‘restart'”, resume.
Outros temas em análise neste Olho Vivo foram o relatório de consumo de drogas apresentado no Parlamento, o software de inteligência artificial Chat GTP e Ronaldo no último jogo da seleção nacional no Mundial 2022.
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