“Esta semana tivemos um Ministro, que desautorizou e passou por cima do Primeiro Ministro, que desautorizou publicamente de seguida o Ministro, que esteve quase a ser demitido, mas não foi, nem se demitiu; um congresso de entronização do novo líder do PSD, que chega com sete trabalhos, mas bem podiam ser 12 como os do Hércules, tendo em conta o estado geral do partido; uma moção de censura ao governo, apresentada pelo Chega, que na prática se transformou numa censura à oposição à direita e numa confiança extra para o executivo. Tudo isto em sete dias. E ainda dizem que a política é monótona”, introduz Mafalda Anjos no programa de comentário político e económico da VISÃO, Olho Vivo.
Para diretora da VISÃO, o caso da solução aeroportuária anunciada e imediatamente revogada pelo Primeiro-Ministro fragilizou ambos, António Costa e Pedro Nuno Santos. “É muito mais do que uma falha de comunicação, a história está por contar. Mas há uma confiança que se quebra na palavra do Ministro, na relação entre os dois, na coordenação do Executivo. Chegados aqui, depois do despacho do Primeiro-Ministro, só havia uma coisa a fazer: sair.”
Nuno Miguel Ropio defendeu que a polémica sobre o despacho de Pedro Nuno Santos poderá ter exposto dois factos: um “que aponta para uma ausência do primeiro-ministro, cada vez mais dedicado aos assuntos europeus e à discussão em Bruxelas de tudo o que envolve a guerra na Ucrânia, e outro, que se prende com o papel de Mariana Vieira da Silva, enquanto coordenadora política do Governo, e que falhou neste caso”.
A moção de censura do Chega só teve como objetivo deixar o PSD desconfortável, deixando-o perante duas opções que quererá evitar: parecer irresponsável ou parecer pouco duro com o Governo. “Será um desafio que irá durar toda a legislatura. O Chega será sempre mais rápido e agressivo a penalizar o Governo. Para o PSD, esse equilíbrio será complicado de atingir”, diz o jornalista Nuno Aguiar.
“Em termos de eficácia, a moção tinha efeito político, mas em termos práticos, quanto a uma alternativa ao Governo, valia zero: ainda estamos dentro dos 100 dias da tomada de posse do novo Governo. E uma moção de censura neste período de nada vale, porque não pode fazer cair o Governo. Foi um statement que o Chega fez para afirmar Ventura como líder da Direita”, apontou Nuno Miguel Ropio, salientando que no debate da iniciativa do Chega, na quarta-feira, “o PSD teve de fazer um exercício difícil de por um lado não se aproximar muito do PS, como um PSD de Rui Rio teria feito, mas também de não validar a posição do Chega”. “Já o BE e PCP tiveram uma atitude de não beligerante em relação a António Costa, quase lembrando os bons velhos tempos da Gerigonça”, acrescentou.
Para Nuno Miguel Ropio “o debate da moção de censura serviu para perceber que Luís Montenegro tem muito trabalho de casa para fazer, senão Ventura continua assumir-se como o líder da oposição”. Ainda que, no congresso que entronizou o novo líder social-democrata, “o discurso de Montenegro não deixou claro que, por parte do PSD, haja uma barreira face ao Chega, porque nas diretas do partido nunca disse que o partido de André Ventura não faria parte de uma solução à direita”.
“Por mérito do Primeiro-Ministro, que é um parlamentar experimentado e tem enorme jogo de cintura, e sobretudo por demérito alheio, pela incapacidade da oposição, isto é um passeio no parque para António Costa”, diz Mafalda Anjos. “O que era uma moção de censura transformou-se numa moção de confiança e legitimação ao governo, e num ataque aos partidos da direita. E quem saiu pior foi o PSD, num momento fragilidade após um congresso, sem líder parlamentar eleito, e com um discurso ainda por afinar.” Poderia o PSD ter feito outra coisa senão abster-se? Mafalda Anjos entende que excepcionalmente sim, poderia ter votado contra, apesar de neste século, quando PS e PSD estão na oposição, votarem sempre a favor ou absterem-se. Por três razões: “Primeiro o timing da moção, nem 100 dias de governo volvidos, com orçamento do Estado aprovado há uma semana, sem que fosse imaginável abrir nova crise política ir a votos novamente e sem uma solução alternativa possível em cima da mesa. Segundo, pelo próprio texto aberrante da moção, que logo no primeiro parágrafo coloca em causa a legitimidade democrática dom Parlamento e do Governo, ao insinuar que tendo em vista a elevada abstenção nas eleições, os socialistas não representam a maioria dos cidadãos mas dos votantes. E, por último, pela questão ideológica. Seria mais inteligente a este novo PSD demarcar-se claramente do populismo e assumir a suposta postura moderada que anunciou no Congresso. Foi aliás pela falta de demarcação clara que o PSD chegou aonde chegou e o PS teve uma maioria absoluta inesperada”.
Luís Montenegro parece ter uma visão diferente para o PSD, pelo menos em comparação com Rui Rio. “É um PSD mais à direita, mais liberal, mais agressivo e que se define como anti-socialista”, aponta Nuno Aguiar. “Será útil para lidar com os novos adversários – ou futuros aliados – à direita, mas é mais duvidoso que seja suficiente para conquistar o centro que, neste momento, está com António Costa. O PSD ainda não percebeu algumas coisas que o prejudicaram nas últimas eleições: a relação ambígua com o Chega; e o que fazer para recuperar a dezenas de milhares de votos de pensionistas e funcionários públicos que perdeu durante o período da troika.”
Mafalda Anjos questiona as palavras escolhidas por Luis Montenegro no congresso, cobertas de ambiguidade. “É verdade que Montenegro diz ‘somos moderados, não somos nem populistas nem ultraliberais’. Mas também diz que ‘não quer discussões estéreis de esquerdas e direitas, nem tão pouco de linhas verdes ou linhas vermelhas’, e que não se associará a qualquer política xenófoba ou racista’”. Política e não partido, sublinhe-se! Mais clareza seria bem-vinda”.
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