Finalmente, está reposto o regular funcionamento das instituições democráticas. A Assembleia da República inaugurou a sessão legislativa na segunda-feira e ontem tomou pose o 23º governo constitucional, com 17 ministros e 38 secretários de Estado, com pompa e circunstância e muitos recados presidenciais, como é da praxe. “Marcelo Rebelo de Sousa começou pela Guerra da Ucrânia, e deixou para o fim os recados a Costa: ficar, dialogar e reformar. Pegou no que era um rumor e fez dele um facto político ao, olhos nos olhos, dizer a Costa que não pode sair a meio do caminho para a Europa, subentendendo-se que o resultado seriam eleições antecipadas, pediu reformas e passos vigoroso e exigiu diálogo salientando que os portugueses não deram nem poder absoluto nem ditadura da maioria”, diz Mafalda Anjos.
Para Filipe Luís, Marcelo recorre a um argumento de Costa na campanha, quando personalizou a escolha dos portugueses entre ele e Rui Rio, para lhe dizer que é “politicamente difícil” não continuar até final da legislatura. “É muito hábil nesta cobrança. E isto quer dizer que, se isso acontecesse, convocaria eleições antecipadas. Mas tudo não passa de especulação. E o discurso teve mais conteúdo, nomeadamente quando apelou a um ímpeto reformista”, explica.
Em termos de conteúdo, é interessante ver o que pede Marcelo: entre outras matérias, um elevador social a funcionar, de forma a que filho ou neto de pobre” não fique pobre, ou um sistema eleitoral mais eficaz, o que pressupõe uma reforma do sistema eleitoral. Para reformar, Marcelo lembra que o Governo tem todas as condições, “sem desculpas nem alibis”, expressão sintomaticamente repetida por Costa, na sua resposta…
“António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa não têm a mesma conceção de reformas. No centro-direita, há quem ache que as reformas têm de ser disruptivas. António Costa vê-as como algo gradualista. Gostaria certamente de deixar marca na transição energética e no SNS. Mas não se espere que, nestes anos, tente construir um país e uma economia diferente”, refere o jornalista Nuno Aguiar. “Há um debate interessante sobre se é possível fazer reformas contra a vontade popular. Não quer dizer que todas as reformas tenham de ser populares, mas irem contra essa vontade popular pode fazer com que, muitas delas, não tenham lastro. É um caminho estreito para se percorrer.”
Na lista do que temos debaixo de olho, Mafalda Anjos destacou o discurso da tomada de posse de Augusto Santos Silva como Presidente da Assembleia da República. “Eloquente, brilhante: passou as mensagens todas com nível, dignidade, sobriedade e até poesia. Voltamos a ter grande nível na Presidência do Parlamento, numa altura em que firmeza e diplomacia serão mais necessárias do que nunca”, diz.
Também foram hoje conhecidos os dados da inflação de Março, que mostram um salto de 5,3% dos preços. O mais alto desde 1994. Esta notícia surgiu um dia depois de sabermos que a inflação também tinha aumentado mais do que se esperava na Alemanha e em Espanha. “Os números estão surpreender mesmo quem esperava uma aceleração”, aponta Nuno Aguiar. “Além disso, o desemprego continua baixo, o que significa que haverá cada vez mais pressão dos trabalhadores para exigir aumentos salariais. Se as subidas de preços – que muitos veem como provisórias – se cristalizarem em aumentos salariais permanentes, pode criar-se um ciclo de subidas que se auto-alimenta.”
Filipe Luís reservou este tema para as notas finais. Em janeiro de 1975, o cerco ao Palácio de Cristal, no Porto, por forças de extrema-esquerda, fez 700 reféns (depois resgatados) e impediu a continuação dos trabalhos do primeiro congresso do CDS. “Foi um momento histórico, decisivo, que teve o condão de fazer crescer aquele partido, que se tornou estruturante da democracia portuguesa. Este fim-de-semana, o CDS terá o seu congresso, um evento esquecido, com pouca importância e que reflete o desaparecimento, pelo menos, parlamentar, deste partido. Isto não deixa de provocar uma certa melancolia política…”, salienta.
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