Ela é conservadora. Apegada às tradições. Liberal na Economia, pouco nos costumes. Se desse agora uma entrevista à RTP Memória, ninguém diria que era deste tempo. Podendo, os especialistas de moda mudavam-lhe tudo, dos sapatos ao cabelo. Até o programa do PSD levou um lifting, mas diz-se que aquilo que a plástica esconde é a velha tralha de “menos Estado, melhor Estado”, e nós já sabemos o que isso quer dizer.
Ele é liberal. Talvez menos na Economia, talvez não tanto como se diz nos costumes. Não snifou nem inalou, consta. Mas é capaz de ter andado perto. Um dia, confessou transformar-se num animal feroz, quando atacado. Anda na moda, já foi considerado sexy e elegante além-fronteiras e corre em t-shirt e calções no Kremlin ou em Pequim com a mesma naturalidade com que se irrita no Parlamento. Fuma às escondidas. É da esquerda moderna, pensa. E diz.
À partida, estes dois seres seriam incompatíveis.
Mas sabe-se como o amor e o chamado “interesse nacional” são lugares estranhos. Sobretudo, o segundo, diga-se.
Em Portugal, o “interesse nacional” deu origem a uma instituição mais resistente do que o casamento embora seja, na verdade, uma união de facto. Os nativos chamam-lhe Bloco Central. Em alturas de grande crise ou de ameaças “fracturantes” da instituição, é reclamado e habitado pelos conhecidos de sempre: empresários, banqueiros, políticos no activo e homens temporariamente sós, após passagens atribuladas ou sossegadas pelos ministérios e mistérios do País.
Por vezes, o espectáculo – que seria saudável numa democracia saudável – permite admiráveis contorcionismos.
Por isso, vemos um autarca PSD a entregar uma medalha a Sócrates.Por isso, vemos um ex-comunista e antigo “cardeal” de Guterres a elogiar o programa do PSD.
Por isso, lemos um antigo líder do PS a sugerir que se convide o PCP e o BE para o Governo só para eles…recusarem.
E por aí adiante…
Pela amostra, não faltam padrinhos disponíveis, e até improváveis, a este casamento de conveniência.E o maior deles talvez seja Cavaco.
Lembram-se quando o Presidente da República defendeu a “unidade” das principais forças partidárias para encontrar “soluções para o País”? Pois bem, pensará Belém: se o Bloco Central é para ser um casório a sério, é óbvio que Cavaco tem de vetar as “uniões de facto”. Não sei qual é o espanto.
É que ele pode não simpatizar muito com Sócrates, mas conhece bem os portugueses. Sabe que este povo esquizofrénico navega frequentemente entre a ilusão, a morrinha, a saudade e o esquecimento. Juntos, Sócrates e Manuela são a fotografia de cómoda do Portugal que temos. E talvez até do que levamos vestido por dentro: o País da professora de aldeia, do chá das cinco, do pé-de-meia e do tostão em comunhão com o engenheiro “corredor de fundo”, que sempre desejou um Mercedes, veste Armani e nos vende sonhos de supermercado. Com a democracia “suspensa” e jornalismo dócil, seria casório para a vida. E se alguém tiver objecções, que fale agora ou se cale para sempre.