A tentativa de condicionar o debate sobre o Orçamento do Estado em torno do IRS Jovem é um logro. Por estes dias, em que se tenta pressionar um partido com o mesmo número de deputados que o PSD a viabilizar um orçamento com ideias muito diferentes das suas, surge uma irresistível tentação populista. O discurso político torna-se maniqueísta – não podemos ter ideias diferentes sobre como apoiar os jovens e poupá-los à emigração. Ou se está com o Governo e o seu IRS Jovem ou se está contra os jovens e a favor da fuga de cérebros. Em nome da democracia, devemos resistir à tentativa de impor um pensamento único. A nossa inteligência obriga-nos a pensar um pouco mais no assunto e discutir os argumentos.
A verdade é que o País não pode ser complacente com o facto de ter 30% dos seus jovens a viver no estrangeiro. Mesmo com uma emigração significativamente inferior ao máximo durante os anos da troika – menos 42% na emigração permanente e menos 47% na emigração total – e do regresso de 137 mil emigrantes entre 2016 e 2022, a verdade é que demasiados portugueses continuam a partir em busca de melhores oportunidades profissionais. Afinal de contas, um jovem ganha mais como empregado de mesa no estrangeiro do que como engenheiro em Portugal. Assim, fica difícil.
Claro que muito se poderia dizer sobre o facto de os principais destinos da emigração portuguesa serem países cuja carga fiscal é mais elevada do que a portuguesa. Alternativamente, também não é preciso muito para compreender que os impostos não são culpados pela diferença entre os salários em Portugal e noutros países. Em 2022, a taxa média efetiva paga no nosso país era de 13,77%. Somando os 11% deduzidos ao salário bruto como contribuição para a Segurança Social ou mesmo os 23,75% da taxa social única, a eliminação de qualquer carga fiscal ou contributiva estaria longe de conseguir fazer dos salários portugueses equiparáveis aos da Europa central.
O problema dos salários não se resolve, por isso, olhando apenas para a carga fiscal. Isso não quer dizer que não possa prestar um papel. O último governo do PS criou em 2020 o IRS Jovem. Depois de sucessivos alargamentos, ele prevê isenções de IRS nos primeiros 5 anos da carreira profissional de um jovem, permitindo a uma empresa ir aumentando os salários à medida que as isenções se vão reduzindo. Segundo a EY, este regime atualmente em vigor é mesmo mais vantajoso do que o proposto pela AD para quem tem rendimentos mais baixos, que, infelizmente, é a maioria dos jovens. O que não quer dizer que o atual regime não deva ser melhorado – por exemplo, deixando de estar limitado a licenciados e aplicando-o automaticamente a todos os jovens.
A questão é mais complexa do que uma simples comparação de quem ganha mais com que modelo. O próprio desenho do benefício fiscal conta, na medida em que ele influencia os comportamentos económicos. É aí que o novo regime fiscal que a AD propõe tem duas falhas fatais. Em primeiro lugar, mantendo uma redução fiscal igual de 2/3 até aos 35 anos, está na prática a impor uma triplicação da carga fiscal aos 36 anos de idade. Mais do que uma questão de justiça intergeracional, preocupa-me a capacidade de ajustamento de uma família perante a quebra do seu rendimento líquido. Por outro lado, ao permitir que uma empresa consiga pagar o mesmo salário líquido com um salário bruto muito mais baixo durante um período prolongado, os salários brutos de entrada vão ser mais baixos. Em vez de ajudarmos a subir estruturalmente os salários, esta proposta da AD vai mesmo baixá-los.
O problema da emigração e dos baixos salários são reais, mas não basta atirar dinheiro para cima deles de qualquer forma. Se não tivermos de poupar 1000€ por mês a quem ganha 5 mil, talvez possamos dar mais do que 50€ a quem ganha apenas mil e encontra-se em muito maior risco de emigrar. Porventura, até, há formas de gastar os mil milhões de euros anuais que custa a medida que tenham um maior impacto na vida dos jovens. Uma coisa é certa – se superarmos o clubismo e pensarmos sobre as coisas com olhos de ver, este IRS Jovem que a AD quer à força toda meter no Orçamento é “pior a emenda que o soneto”. A geração mais qualificada de sempre merece mais que isto. Afinal, é o nosso futuro que está em discussão.
OUTROS ARTIGOS DESTE AUTOR
+ Imigração: Não tentemos travar o vento com as mãos
+ Menos fogo mas a mesma urgência – reformar a floresta, salvar o planeta
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.