António Costa, o primeiro-ministro, não está zangado com ninguém. Nem com ele próprio. Só está enraivecido, colérico, furibundo e danado. Com o Presidente da República, começando pelo topo, com a Procuradora-Geral da República, com o Ministério Público, com as idas a Belém, e com os heterónimos. O primeiro dos quais – heterónimos, claro! – foi esclarecido em sede de Juízo de Instrução: o Costa é Silva, e não o Costa PM.
A história do dia 7 de novembro ainda não está contada. Há apenas uma narrativa mediática: que deu nota de detenções, buscas, parágrafos. Que resultaram numa demissão, numa queda do Governo e da maioria absoluta, e em legislativas a 10 de março. Como tudo isto aconteceu ninguém sabe. Diz o PM que houve falta de bom-senso, precipitação, e total e absoluta irresponsabilidade. Do Presidente, bem entendido. A palavra golpada não foi dita, nem escrita, mas andou por ali.
António Costa até é capaz de ter razão: não interessa o que aconteceu na manhã do dia 7, mas apenas importa lembrar a tarde do dia 13 de novembro. Aí é que começou tudo: o juiz mandou abaixo os crimes indiciados, os detidos voltaram para casa de memória fresca e apagada, a PGR nunca entrou nos portões de Belém, jamais escreveu um parágrafo críptico e heterónimo, e o Presidente não recebeu um pedido de demissão do PM. Neste reverso não há insensatez, precipitação e irresponsabilidade.
É verdade que o ainda líder do PS não quer que o seu partido caia na armadilha de falar neste caso judicial, ou da Justiça em geral, e da PGR em particular. Seria desastroso, numa fase tão embrionária. Mas se não calha bem ao partido, sempre dá jeito atirar umas granadas de elevada precisão política. Os portugueses estão metidos numa alhada, mas a culpa é do PR, da PGR e do MP, mais dos heterónimos que andam por aí, e que inventam acolá.
O primeiro-ministro, António Costa, está profundamente magoado, amargurado e inconformado, mas o epicentro sísmico começou no seu gabinete e toda a estrutura política ruiu quando foi a Belém para pedir a demissão. Será que foi precipitado? Que não teve bom-senso? Que agiu desatinadamente? Só ele saberá.
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