1. No que se escreve, diz, comenta, sobre as próximas legislativas, não me recordo de ver sublinhada esta óbvia realidade: todas as sondagens mostram que as forças que se reclamam de esquerda (centro-esquerda/esquerda), são claramente maioritárias em relação às de centro-direita/direita. Ou seja, os votos de PS, CDU, BE, Livre/Tempo de Avançar, Agir, MRPP, somarão mais do que 50% do total, enquanto os da coligação Portugal à Frente (PSD/CDS), PPM, PPV/CDC talvez nem ultrapassem os 40% (não refiro o PDR, o Nós Cidadãos, o PAN, o JPP, o MPT e o PURP, por não ser claro para mim onde, nesta divisão esquemática, devem ser incluídos).
Ora, tal clara maioria não pode ou não deve deixar de ter leitura e consequências políticas. A primeira é colocar o PS, e não o PSD, no “centro” do nosso espetro político e como o partido que, não havendo uma maioria absoluta, como se prevê, estará em melhor posição para formar Governo, para isso promovendo as convergências e celebrando os acordos necessários. Porque o pode fazer em mais do que uma direção, e com mais do que um parceiro, enquanto a PàF fica dependente só do PS.
2. Dir-se-á que, na prática, o PS nunca fez, a nível nacional, acordos à esquerda; e que PCP e BE já declararam (ao contrário do Livre) uma espécie de indisponibilidade para apoiar um governo PS. Mas para tudo há sempre uma primeira vez; e não há que levar as proclamações em período eleitoral demasiado à letra. A levar, então o PS já garantiu que não fará qualquer acordo com a coligação PàF, que, sendo assim, sem maioria absoluta não consegue constituir Governo, mesmo sendo a força mais votada.
Como é natural, PCP e BE tomam aquela posição também por entenderem que lhes é eleitoralmente favorável, sobretudo para impedir o “voto útil” de esquerda no PS. Julgo, porém, que lhes seria mais vantajoso defender que para um governo PS (não à partida por eles inviabilizado) ter uma política de esquerda, o voto útil é no PCP ou no BE, aumentando o seu peso político e a sua força negocial para a viabilização desse governo. Acresce que penso evidente ter António Costa mais condições para realizar acordos à sua esquerda do que os seus antecessores.
3. Toda esta realidade constitui uma vantagem do PS face à coligação PàF, vantagem que o PS não tem sabido aproveitar. Aliás, não vejo motivos para alterar as observações críticas sobre a sua campanha que aqui deixei na última crónica. Por exemplo, quanto ao “foco”, à falta de denúncia, ou de eficácia da mesma, de tanto que o Governo perpetrou nestes quatro anos, de contradições entre o que Passos Coelho prometeu e fez (tendo garantido que isso aconteceria, nem nunca evocaria o passado recente para o justificar), etc. Veremos como serão os debates e mesmo os tempos de antena, que no atual contexto até estes podem ser decisivos…
Entretanto, a PàF parece, para já, ter uma campanha mais bem montada e eficaz (da qual a “universidade” de verão do PSD foi um diário instrumento), além de explorar o que são fragilidades, incompetências e concessões várias de muita comunicação social. A PàF tem como que uma multiplicidade de porta-vozes, com funções diversificadas (até entre Portas e Passos Coelho isso é nítido), enquanto no PS (quase) só há António Costa. É certo que o líder do PS tem mais 21 pontos de imagem positiva do que o do PSD, fator muito favorável que explica Costa apareça sempre e Coelho o menos possível – e fator que pode ser decisivo para uma vitória do PS. Mas isso não exclui uma planificada maior intervenção de outros seus protagonistas.
4. Tudo continua, pois, em aberto. Com sinais contraditórios. Entre os muito positivos para Costa e para o PS, sublinho o texto de Diogo Freitas do Amaral nesta edição (ler pp. 50/51). Para mais tendo em conta que o fundador da AD, com Sá Carneiro, e seu vice primeiro-ministro, nas anteriores legislativas apoiou Passos Coelho. Também em texto aqui na VISÃO (n.º 951, de 26/5/2011), no qual concluía, citando Popper, que uma “grande vantagem da Democracia” é ”o direito do povo de, por via pacífica, eleitoral, mandar embora aqueles por quem não quer continuar a ser governado.”