1 Desculpem-me os leitores, mas hoje deixo a política imediata, a espuma dos dias sobre a qual cada vez mais “comentadores” se pronunciam e repetem. Porque neste 25 de Abril volta-se a comemorar uma data redonda, que vários media têm assinalado como se impõe – caso da VISÃO na última edição. Refiro-me, claro, aos 40 anos das eleições para a Assembleia Constituinte, de que saiu a Lei Fundamental que ainda hoje nos rege. Nos rege, e bem, com várias alterações feitas ao longo do tempo, umas indispensáveis ou pelo menos positivas, outras nem tanto ou pelo menos polémicas, algumas nascidas mesmo de meros jogos políticos e interesses/acordos circunstanciais. Como foi o caso da alteração dos poderes presidenciais decidida pelo PSD e o PS para limitar e atingir Ramalho Eanes.
Mas não é disto que agora curo. Nem de evocar a emoção e o entusiasmo com que elas foram vividas por quem sempre havia sonhado poder escolher o destino e o futuro de Portugal votando livremente, o que a imensa maioria nunca tinha feito. Emoção e entusiasmo a que se juntaram imensos problemas e um enorme acréscimo de trabalho para os profissionais da informação, em particular para quem, como eu, teve responsabilidades de direção no então principal jornal, o Diário de Notícias, e na única estação de televisão, a RTP.
2 Vale a pena, porém, até porque o tema mantém atualidade, recordar que uma das matérias muito discutidas antes dessas eleições foi como assegurar a igualdade das várias candidaturas nos media. Nessa altura não havia sequer a possibilidade de defender que o espaço, na imprensa, e o tempo, na rádio e televisão, fossem proporcionais à representatividade de cada uma, pois não tendo ainda havido eleições não existia critério democrático para a definir. Vai daí a primeira proposta de lei obrigava a dar o mesmo espaço e/ou tempo a todas as candidaturas, isto é: a todos os partidos concorrentes, que eram 14. Um absurdo e uma impossibilidade, pois os partidos maiores (PCP, PS, PPD) tinham dezenas de iniciativas diárias, e os mais pequenos podiam não ter nenhuma; aqueles faziam comícios no Campo Pequeno ou no Pavilhão dos Desportos, com milhares ou dezenas de milhares de participantes, a FEC (ml), o PUP, o PPM, e outros, distribuíam uns panfletos na rua.
Critiquei tal solução, no DN e na RTP, e pediram-me para ir ao Conselho de Estado (CE) apresentar o meu ponto de vista. Lá fui, estavam os membros da Junta de Salvação Nacional e do MFA que a ele pertenciam (recordo-me de uma “boca” do almirante Pinheiro de Azevedo…) e os sete civis que também o integravam (Azeredo Perdigão, Isabel Magalhães Colaço, etc.). Os meus argumentos convenceram e a lei acabaria por impor, sim, apenas, uma igualdade de tratamento das várias candidaturas, com a publicação obrigatória da notícia (local, data, hora) de comícios, sessões de esclarecimento, etc. No essencial, o que agora devia ou deve acontecer.
3 Mais do que “valer a pena”, um dever de consciência obriga-me também a recordar que após o 11 de Março as anunciadas eleições para a Constituinte estiveram em perigo efetivo, pois sobretudo um setor de militares de extrema-esquerda, ou assim ditos, então com muita força, a elas se opunha. E para a sua realização, sem prejuízo de outros importantes contributos, mormente do que viria a constituir o “Grupo dos Nove”, em particular Vasco Lourenço, foi decisiva a intervenção do Presidente da República, Costa Gomes. Isto mesmo e – entre reais ou aparentes flutuações para manter os equilíbrios possíveis – o papel essencial que teve ainda para ser evitada uma guerra civil, no Verão Quente de 1975, foi reconhecido nas suas Memórias por Freitas do Amaral, líder do partido então mais à direita, e também membro do CE.
Esse reconhecimento, porém, nunca existiu por parte de muitos outros políticos. E Costa Gomes foi extremamente injustiçado, inclusive por Mário Soares, que creio hoje o reconhecerá. Assim, nem o seu centenário, a 30 de junho de 2014, foi devidamente assinalado, exceto na sua cidade, Chaves. Agora, que esse ano do centenário está a terminar, e passam quatro décadas sobre algo para que ele tanto contribuiu, as livres eleições para a Constituinte, pilar da nossa democracia, é mais do que tempo de lhe fazer alguma Justiça.