Esta é a história de uma actriz e encenadora que arranjou uma mala pronto-socorro contra a ameaça do silêncio. Para ela, o som do silêncio também seria o som da culpa, do abandono. O som que se ouve quando não há volta a dar, o som que acompanha a desistência.
Rita Wengorovius criou em 2012 o Teatro de Identidades, que dinamiza a prática teatral para séniores no concelho da Amadora, com aulas semanais de teatro, voz e canto em cinco instituições de solidariedade social, mas também nas casas com idosos isolados e em situação de dependência física. E em plena pandemia e quarentena, o seu teatro comunitário não sucumbiu. Para superar estes dias difíceis, ela criou uma peça de teatro à distância, ao telefone, com a participação de todos. Rita recusou-se a que o seu poço de histórias secasse no momento em que os idosos mais precisavam dela. Manteve a ligação com os mais velhos, uma população de risco, através de um teatro de escuta e de provocação, para quebrar o isolamento, reforçando a importância do simbólico, da partilha artística e do papel da arte em contextos de emergência.
Repito: as sessões de teatro estão a acontecer ao telefone, o que já de si é incrível. É uma dramaturgia coletiva de esperança. Porque, como diz Rita, “a confiança e o estado de alma também se educam. A felicidade também se ensaia, sobretudo em tempos difíceis como o atual”. E as rotinas mantêm-se, mas agora à distância. Os artistas-pedagogos telefonam aos séniores nos mesmos dias em que era hábito terem as sessões nas IPSS, pois é graças a esta perseverança rotineira que se conseguem manter estes grupos proativos – é assim que a não-desistência se torna clara.
A encenadora não sabe bem onde é que a peça a levará, onde é que os levará juntos, mas já tem data de estreia, porque é importante criar esta sensação de futuro, para motivar os atores. Até diz, na brincadeira, que agora “ninguém pode morrer”, porque vão estrear a peça em outubro, no Mês do Idoso, e precisam que todos estejam em muito boa forma até lá!
Não é difícil de imaginar que os mais velhos, que antes estavam nos centros de dia, sintam a dureza do afastamento – a dureza continua intacta –, mas com este projeto basta raspar um pouco à superfície e a alegria brota de novo, fresca como quando ensaiavam juntos, olhos nos olhos. A memória de uma voz calorosa, ainda que do outro lado do telefone, é algo tão imaterial como uma sombra ou uma brisa. Mas aquece a alma, aproxima as pessoas. É este o principal objetivo do teatro ao telefone: criar momentos que possam transcender a realidade e impactar as pessoas de forma positiva, utilizando o simbólico e até o absurdo, se for preciso. “São mensagens amplificadas de esperança, estratégias para combater o aborrecimento mental, o aborrecimento mortal”, explica Rita Wengorovius.
Este é um teatro para a comunidade e com a comunidade, que luta contra a ideia feita de que os velhos são inúteis e um entrave a que as coisas aconteçam. A ideia disseminada e injusta dos velhos psicóticos e desnecessários, imersos no seu inferno pessoal há muito tempo. Um teatro que derruba preconceitos.
Rita Wengorovius tem uma fome que nada tem a ver com o estômago, é uma fome que a devora por dentro e a obriga a continuar. O que ela faz é arte participativa, onde todos são atores no teatro da existência. Mesmo no momento em que vivemos, não são espectadores da pandemia – todos têm um papel dentro dela. E isso é profundamente belo.
Esta é a história de alguém que se movimenta no território da esperança, alguém que mexe com as substâncias imponderáveis da alma. Quando se investe na imaginação humana – sentimentos e fantasia – o céu é o limite. Com o Teatro ao Telefone, Rita constrói uma casa de afectos, onde todos cabem dentro dela.
A pergunta parece-me óbvia: sonhar a vida não é a melhor maneira de a viver?