Muitas vezes a estrutura orgânica inicial do Governo acaba por não ter um peso decisivo no sucesso das políticas, mas reflete certamente a notoriedade que o Primeiro-Ministro lhes pretende dar na agenda a imprimir. Seria impossível encontrar uma estrutura de Governo sem Ministérios das Finanças, da Defesa, dos Negócios Estrangeiros ou da Administração Interna, herdeiro de modelos tão vetustos como os Ministérios do Reino ou do Interior.
Já toda a área de políticas económicas e sociais é de consolidação mais recente com modelos flexíveis que se foram tornando obrigatórios em áreas como a Educação ou Instrução, os Assuntos Sociais ou a Saúde, as Corporações ou o Trabalho e Solidariedade ou a Economia com as declinações setoriais da Indústria, Comércio, Turismo ou a compreensivelmente mais tradicional Agricultura.
As alterações das últimas décadas oscilaram em torno da relevância a dar na estrutura de Governo a áreas como a Cultura, a Ciência, o Mar, a Igualdade ou a Juventude, para além da intermitente atenção dada à Reforma da Administração Pública por vezes pomposamente chamada de Reforma do Estado.
Já se percebeu que o Mar está em maré baixa confinado a pouco mais do que as pescas como uma secção do ministério da Agricultura (do resto acha a Marinha que trata sem depender de qualquer comando político), a Ciência ficou diluída na área da Educação, reservando-se a clarificação do futuro para quando se vislumbrar o resultado da extinção da FCT, e a Reforma do Estado é para já uma mera bandeira desconhecedora da história da simplificação nas últimas décadas e em contramão com várias medidas criadoras de burocracia do atual ciclo de poder.
Margarida Balseiro Lopes, que perdeu para a nova estrela Gonçalo Matias a Modernização Administrativa que de forma ultra discreta tutelou no Governo Montenegro I, parece ser a ministra que reuniu um conjunto de assuntos a que o Primeiro-Ministro não liga muito, sobre os quais não tem qualquer projeto ou ideia relevante e que não sabia bem como arrumar. Ficaram assim reunidas as áreas da Cultura (área desgraduada depois da má experiência com Dalila Rodrigues), Juventude, Desporto e Igualdade de Género.
O que é espantosa é a forma diligente como a titular tem dado cumprimento ao mandato para garantir que estas áreas não sejam faladas, nada dizendo ou fazendo sobre as mesmas. Não se conhece qualquer evolução sobre os investimentos do PRR na Cultura, nem sobre a preparação da próxima Capital Europeia da Cultura em Évora. A maior novidade em matéria desportiva foi o pouco saudável, e de inoportuno mau gosto, anúncio na festa do Pontal do regresso da Fórmula 1. E sobre Igualdade de Género não ouvimos à ministra uma palavra sobre as restrições de direitos das mulheres nas propostas de legislação laboral.
Temos saudade da ministra Margarida de espírito aberto que reconheceu no governo anterior a discriminação das pessoas LGBTI, que defendeu o acesso sem restrições dos cidadãos trans a cuidados de saúde adequados ou que defendeu o uso da expressão neutra “pessoas que menstruam”, para fúria da direita ultramontana e até de alguns deputados do PSD.
Mas é sobre juventude que mais surpreende a passagem à clandestinidade de Margarida Balseiro Lopes no dia que é conhecida uma redução de 12 % nas colocações no ensino superior, fruto da conjugação perversa entre a alteração das regras de acesso, os custos de habitação com quartos a 400/500 euros e a chegada ao ensino superior do impacto do inverno demográfico.
Também não se conhece o pensamento social-democrata da ministra da Juventude sobre o alargamento da possibilidade de contratação a prazo ou sobre as crescentes dificuldades para as jovens famílias em passar o fim de semana com os filhos devido à proposta de nova legislação laboral que ignora a queda a pique da natalidade em Portugal.
Mas já não é tolerável o silêncio perante o incumprimento da lei de 2023 que criou um prémio salarial para os jovens licenciados equivalente a uma devolução de propinas. O pagamento deveria ter sido feito até final de Julho relativamente aos que concluíram as formações até 2023, mas o Governo não só não pagou o que a lei determina como não abriu o novo período de candidaturas.
Exatamente porque a questão tem responsabilidades várias entre as Finanças e a Educação seria indispensável o esclarecimento transversal da ministra da Juventude que pelo seu desaparecimento recebe o prémio Laranja sem Sumo de hoje.
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