Querida avó,
Cá estamos nós a viver as últimas horas de 2022.
Mas, apesar de tudo isto, posso dizer que 2022 foi um ano memorável.
Com o nosso livro Diário de uma avó de um neto, realizámos tertúlias de norte a sul do País. Tem sido uma experiência incrível esta de levar as pessoas numa viagem às memórias de Portugal. No final, acaba tudo felicíssimo com estes temas intergeracionais.
Se muitos vão na 3ª dose da vacina, o livro tem tido um sucesso tão grande, que, em poucos meses, vai a caminho da 3ª edição.
Como sabes, sou promotor de três exposições. Uma sobre a tua vida e obra, as outras sobre o Ruy de Carvalho e sobre a Anita Guerreiro.
As exposições foram itinerantes ao longo do ano. Já perdia a conta aos kms que fiz de norte a sul do País.
Só pessoas extraordinárias como vocês conseguem ir do Minho ao Algarve como quem vai de Lisboa a Oeiras.
Como tal, não me posso queixar! Só agradecer à vida e a todos os que me ajudaram a tornar sonhos em realidades.
Como dizes tantas vezes ”Saúde e Paz”, o resto a gente faz.
Pelo que está previsto, 2023 também vai ser muito intenso.
O ano em que irás tornar-te octogenária.
Mas não vale a pena termos planos para a vida, pois a vida tem planos para nós.
Bom ano, querida avó.
Bjs
Querido neto
E cá estamos no fim deste ano. Ainda um ano terrível—mas esperemos que o próximo seja, ao menos, ligeiramente melhor. Como se costuma dizer, a esperança é a última a morrer.
Apesar de tudo, tu ainda recordas coisas boas que também aconteceram—o nosso livro, o êxito que tem tido, as tertúlias para que temos sido convidados, as exposições na Ericeira, Estoril, Torres Novas.
Claro, tudo isso é verdade, e não podemos esquecê-lo.
Mas, para mim, foi também um ano em que perdi muitos amigos.
Quase todos os dias morria um. Foi terrível. O último foi o Mega Ferreira. Mas foram tantos os que partiram ao longo do ano.
Acreditas que já passou um ano da partida da Leonor Xavier? Dou comigo imensas vezes a pegar no telefone para ligar-lhe.
Deves lembrar-te dela: foste comigo a um daqueles encontros que ela organizava na Capela do Rato, onde, em cada semana, juntava um crente e um não crente para conversarmos. Para além de ser uma pessoa de uma fé inabalável, era também muito divertida. Às vezes, estávamos ao telefone até de madrugada. “Achas que alguém é capaz de estar como nós, na converseta, até altas horas?” Ríamos muito—e continuávamos. E organizava tertúlias em casa dela—aí nunca foste…—com gente de todos os partidos, e aí todos nos dávamos muito bem. Continua a fazer-me muita falta.
E agora está a acontecer-me uma coisa terrível. Às vezes vejo qualquer coisa na rua, ou na televisão, e pego no telemóvel para falar disso a um amigo que eu sei que sabe do que estou a falar. Começo a ligar—e depois desligo: já morreu. E vou ligar para outro: também já morreu. Acabo por guardar o telemóvel. E acredita que há assuntos que eu agora já não posso partilhar com ninguém. Por exemplo: eu tinha um amigo que todas as noites me ligava a contar uma anedota, para eu passar a outro amigo nosso—e o último acabava sempre por contar ao primeiro, e ríamos muito. Era uma palermice, claro, mas gostávamos de fazer aquilo. Já morreram todos.
Mas vamos pensar em coisas positivas: provavelmente, em 2023, vão haver muitas mais edições do nosso Diário e novas temporadas. Afinal, assuntos nunca nos faltam!
Bom ano, querido neto!
Bjs
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.