Dia 38.
Hoje apeteceu-me arrancar a semana com uma toada positiva, para contrariar esta chuva de abril que nos deixa (ainda) mais abatidos.
Uma das características que os portugueses, como povo, se podem gabar é conseguir fazer muito com pouco. Com recurso à nossa criatividade, tantas vezes subvalorizada, fomos capazes de dar a volta a grandes problemas com algumas boas ideias e soluções engenhosas. Basta, aliás, olhar para a nossa gastronomia. É admirável ver como um País pobre conseguiu inventar tantos sabores e iguarias dos céus com ingredientes tão simples como o pão, o azeite, o alho, o tomate, os coentros ou os ovos.
É um facto que a nossa capacidade de inventar coisas novas esteve, e está, limitada pela falta de recursos para apostar na investigação, investir e colocar projetos em prática. Mas, apesar de tudo e de todas as condicionantes, se há área onde conseguimos fazer algumas conquistas, é nesta. Durante anos, fomos o País com maior crescimento nos pedidos de patente para proteção no espaço comunitário, destacando-nos na inovação, desenvolvimento tecnológico e na ciência.
E, em tempos de Covid-19, temos sabido mostrar o que valemos.
Em escassas semanas, o CEIIA, o Centro de Engenharia e Investigação Automóvel e Aeronáutica, com sede em Matosinhos e que faz projetos ponta de lança para todo o mundo, desenhou uma solução nacional e concluiu protótipos de ventiladores, esse bem escasso, mas fundamental, para salvar doentes graves afetados pelo novo coronavírus. Os equipamentos serão testados nos hospitais nacionais ainda em abril. O objetivo é produzir, em seis meses, 10 mil ventiladores para doentes da Covid-19, reforçando a capacidade de resposta dos nossos hospitais.
Mas há mais coisas a acontecer na mesma área, fora deste grande centro de investigação onde normalmente se fazem peças para a indústria aeroespacial, carros ou exploração dos oceanos.
O Air4All juntou mais de 80 voluntários e arrancou em meados de maio com um objetivo: desenvolver um ventilador de especificações acessíveis a todos, ou seja, em open source. As esquipas estão a desenhar, na verdade, dois aparelhos diferentes: um de sistema pneumático, que pode ser ligado aos equipamentos de oxigénio e de ar comprimido que já existem nos hospitais e outro, de sistema mecânico, para ser usado em sítios onde não existe ligação a condutas de gases, como lares. O equipamento já está pronto para testes e, em breve, se tudo correr bem, estará disponível.
Além dos ventiladores, há outra área onde estamos, por cá, a inovar: a testagem da doença, fundamental para combater de forma eficiente a Covid-19. Com o aumento de casos nacionais, deparámo-nos com um problema: falta de testes, com enorme procura mundial. Mas em escassos dias, uma equipa do Instituto de Medicina Molecular da Universidade de Lisboa começou, sob orientação da consagrada investigadora Maria Mota (que é uma referência no combate ao parasita da malária), a produzir kits de diagnóstico “Made in Portugal”, que inventaram utilizando apenas reagentes disponíveis no mercado. Os kits, que devolvem resultados em três horas, foram acreditados pelo Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, e são já produzidos 1000 por dia.
Se isto não é capacidade de contornar problemas com criatividade, não sei o que seja. Não é só na solidariedade, obediência ao confinamento e na capacidade de achatar a curva que Portugal se consegue destacar, é também na investigação e nas soluções científicas que conseguimos descobrir. Palmas para eles. E palmas para nós.