Dia 8.
Hoje, pela primeira vez em vários dias, dormi uma boa noite de sono. Mais de sete horas, as mínimas que eu preciso para funcionar decentemente. Deitei-me à meia noite, acordei antes das oito, com a luz do primeiro dia de Primavera a bater-me na cara. Entrevejo um sol a brilhar num céu azul e pensei: “é sábado, está um dia lindo, vamos almoçar à praia”. Estimo que este prazer terá durado uns três segundos, os suficientes para passar de um estado de semiconsciência para a realidade nua, crua e viral.
Era bom, só que não. Estás, Mafalda, fechada em casa com um marido, quatro filhos, um cão e um porco da Índia, com a visita ocasional de duas rolas que subornas com alpista na varanda. Almoçar na praia, ou tão pouco ir lá dar um mergulho, é coisa que não vai acontecer tão cedo. Aguenta e habitua-te.
E eu, obediente que sou a mim mesma, estou a dar o meu melhor para me habituar. Tem horas que chego a conseguir assumir esta loucura como normal. A nossa nova normalidade.
A melhor técnica para lá chegar é tentar manter as rotinas. Levanto-me, tomo banho, visto-me como se fosse para a rua, maquilho-me como se fosse preciso mostrar-me ao mundo com menos olheiras e risco escuro nos olhos. (Lastimo as unhas por pintar, mas lá chegarei.) Ainda que sob protesto, obrigo os miúdos a fazerem o mesmo. Ninguém toma o pequeno-almoço sem estar pronto para o dia – é um velho hábito que me ficou de família, o meu pai nunca gostou que me sentasse à mesa de pijama.
Mantemos horários para eu tentar manter a sanidade. As reuniões fazem-se na mesma, mas pelo Teams, as conversas com os amigos e família também, por todas as formas que a tecnologia permite. Abençoada seja.
E se fossemos beber um copo sábado à noite?, atirou uma das minhas amigas de sempre no nosso grupo de Whatsapp. Agarrámos com unhas e dentes a proposta aparentemente estapafúrdia, como se fosse uma boia de salvação para a insânia. Às 19h juntámo-nos no Zoom com o nosso copo na mão – sete em Portugal e uma diretamente da Colômbia.
Ouvimos as histórias dos nossos amigos velejadores e aventureiros, partilhámos as angústias e as dores de costas, traçámos curvas de evolução para a Covid-19, atirámos estimativas de clausura, sofremos por antecipação. Como sempre, rimos que nem perdidas e falámos por cima umas das outras. Nada de novo, portanto.
Por 40 minutos, aqueles que dura a reunião virtual do Zoom na versão gratuita até expirar sem dó nem piedade, foi como se o vírus não estivesse por aí a ceifar vidas e a mandar parar o mundo à bruta. Foi como se em Itália, hoje, não tivessem aparecido mais 6.557 novos casos e 793 pessoas não tivessem perdido a vida. Quase me esqueci que a taxa de mortalidade hoje bateu os tenebrosos 9%. No-ve por cen-to e um tremor. Tarde demais para fazer re-start ao Zoom. A vida continua dentro de momentos. Esperemos.