Dia 5
O cenário parecia uma daquelas fotografias dos anos 40, quando as famílias se reuniam à volta do rádio para ouvir os líderes políticos falar ao País sobre os desenvolvimentos da II Guerra Mundial. Pelas 20h de hoje, tinha toda a família solenemente reunida à volta da televisão para assistir à declaração do Presidente da República. 18 de março, o dia em que foi lançada a bomba atómica constitucional, só usada em circunstâncias ultra-excecionais. É oficial, estamos em Estado de Emergência, tal como Itália, Espanha e França. Até quando, ninguém sabe.
É curioso, porque quando fui aluna de direito constitucional do Professor Marcelo na Faculdade de Direito de Lisboa (1993 e 1994), esta era uma daquelas matérias que passávamos adiante de uma peneirada. Um ano antes, Francis Fukuyama tinha declarado o fim da história, com o advento das democracias liberais. Por cá, Cavaco Silva distribuía dinheiro da União Europeia e construía pavilhões, estradas e pontes. Parecia, portanto, encontrado o caminho da paz, prosperidade e felicidade eternas. Porquê perder muito tempo com estas coisas do estado de sítio, emergência e calamidade, hipóteses afinal tão remotas?
Só que não. Fukuyama já emendou a mão e retirou a tirada cabalística. Nem a felicidade é garantida, nem a prosperidade é eterna, nem a natureza sempre nossa amiga. Num ápice, tudo pode mudar.
Fast forward para 2020.
“O que é que isto significa?”, perguntou o meu filho de 12 anos, perante o nosso ar grave e taciturno, em choque com o que sabíamos que ia acontecer. “Significa que vamos ter de ficar todos juntos em casa durante várias semanas e esperar que a curva de contágios comece a melhorar”, respondemos. “Mas porque é que estão com essa cara? É só ficar em casa. Podia ser muito pior!” Não há nada melhor do que o pragmatismo dos miúdos. Obrigada por me fazeres descer com os pés à terra e desdramatizar. Podia, de facto. Podia ser mesmo uma guerra. Não é.
Todos recordamos o 11 de setembro de 2001, aquele dia que mudou o rumo da história, com ondas de choque que perduram até hoje. E todos vamos recordar mais este dia histórico. Mas, ao contrário do que aconteceu com os atentados em Nova Iorque, não vai dar para fazer a rábula de perguntar “onde estavas no 18 de março?”. É que, neste caso, há espaço para poucas surpresas: com elevada probabilidade, a resposta é em casa.
Respiremos fundo. Este é só o primeiro dia do resto das nossas vidas. Tal como amanhã e depois.