Ler a fita do tempo do mundo tecnológico destes últimos dias do mês de abril é olhar para um turbilhão de acontecimentos, nomeadamente um que envolve 44 mil milhões de dólares e centenas de milhões de pessoas na UE. Mas, já vamos ao negócio!
Antes, temos de olhar para a área jurídica da União Europeia que fechou um ciclo após mais de 16 horas de negociações e uns quantos anos de estudo. Finalmente, a Lei de Serviços Digitais (Digital Services Act) está pronta para fazer acontecer e, sobretudo, impor regras num mundo onde não existe controlo. Com a nova Lei a obrigar as plataformas online a moderar os conteúdos e a tornar os algoritmos mais transparentes, sob risco de pagamento de multas milionárias, a Europa parece fazer história a nível mundial.
Trocar a Lei de Serviços Digitais por miúdos é observar que milhares de empresas passam a necessitar ter um representante europeu para operarem em território comunitário, que os gigantes tecnológicos estarão sob supervisão direta da Comissão Europeia e terão de pagar uma taxa anual de 0,05% sobre as suas receitas globais para financiar essa vigilância. Além disso, as empresas digitais serão obrigadas a moderar os conteúdos nelas publicados com “recursos adequados” e a eliminar conteúdos ilegais, algo que até agora dependia de um Código de Boas Práticas não vinculativo e ao qual as empresas aderiam voluntariamente. Simultaneamente, plataformas como o Twitter terão de dar à Comissão e às autoridades dos Estados-membros acesso aos seus algoritmos e, em geral, os serviços digitais terão de ser mais transparentes sobre a forma como é determinada a informação que chega a cada utilizador.
Quase em simultâneo, no campo dos negócios, Elon Musk comprava por 44 mil milhões de dólares a plataforma Twitter.
Com mais de 85 milhões de seguidores na rede do pássaro azul o bilionário sul-africano, de 50 anos, dono da Tesla e da SpaceX, e considerado a pessoa mais rica do mundo em 2022 de acordo com a revista Forbes, tornou-se no dia da Revolução dos Cravos dono a 100% do Twitter.
Poucas horas após o negócio, a Billboard fez saber que o número de seguidores de contas como a de Barack Obama diminuiu cerca de 300.000, que a cantora de Katy Perry perdeu mais de 200.000 seguidores. Curiosamente, Marjorie Taylor Greene, republicana e teórica da conspiração de extrema-direita e cuja conta pessoal no Twitter foi suspensa permanentemente em janeiro, depois de a congressistas ter repetidamente veiculado informações erradas sobre a Covid-19, viu o seu número de seguidores aumentar em 93.000. No Brasil, Jair Bolsonaro, presidente e defensor dos ideais de direita, viu a sua conta no Twitter aumentar em 90.000 seguidores.
Este “bater de asas” do Twitter levou a que muitas vozes tenham revelado receio de que, com o novo patrão, a rede social passe a aceitar discursos de ódio. Estas manifestações levaram Elon Musk a assumir, através da sua rede social, que “para que o Twitter mereça a confiança do público, ele deve ser politicamente neutro, o que efetivamente significa perturbar a extrema-direita e a extrema-esquerda igualmente”.
Por muito que pesquise não sou simpatizante da forma como Elon Musk tem projetado os seus negócios, nem tão pouco entendo como será alimentar tantos veículos elétricos num mundo a várias velocidades. Também tenho dificuldade, confesso, em perceber onde há mercado para as viagens ao espaço. No entanto, tenho de tirar o chapéu há forma como convence os seus investidores.
Quanto à compra do Twitter a justificação só pode estar no facto de Musk querer ganhar influência no mundo, no querer garantir a liberdade de expressão para aqueles que são os seus principais aliados, no querer passar informação através dos fazedores de opinião, que são uma das principais fontes de informação do cidadão comum, mas sem estar veiculado ao poder regulatórios a que os media estão obrigados. Por agora, esse poder foi dado à direita mais radical, que cresceu na sua rede social, o Twitter.
A Europa está um passo à frente e tem possibilidade de responder a esta situação. Mas, e no resto do mundo? Em cima da mesa há variáveis económicas (Tesla, SpaceX e outros gigantes), sociais (que podem conduzir ao ódio, racismo, xenofobia…) e até religiosas. Não estará na hora de a Europa tomar a dianteira e acordar ao nível mundial regras de referência para combater eficazmente a difusão de conteúdos ilegais e proteger os direitos fundamentais das pessoas na esfera digital? Afinal, tudo o que queremos são plataformas mais responsáveis, que tomem medidas para proteger os seus utilizadores de conteúdos, bens e serviços ilegais.
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