A 4 de abril, Elon Musk anunciou ter comprado 9,1% do Twitter. A motivação? Melhorar a qualidade da democracia, garantindo que o Twitter é mais transparente e há, de facto, liberdade de expressão na plataforma.
Depois de uns dias de indecisão sobre se aceitaria um lugar no board da empresa – que limitaria a sua participação a 15% – Elon Musk decidiu recusar e fez uma oferta para comprar a empresa por 43 mil milhões de dólares.
De forma a bloquear, ou pelo menos atrasar, as intenções de Musk, o board do Twitter anunciou a medida poison pill, mas, para além de perceber se e quando Musk poderá ser dono do Twitter, é interessante perceber as suas intenções e porque é que o Twitter parece ter tomado um lugar central na qualidade da democracia americana (e não só).
Nos últimos anos, a utilização do Twitter tem ganhado centralidade na política, em especial na americana, destacando-se a suspensão permanente da conta do ex-Presidente Donald Trump. Apesar do comunicado oficial da plataforma ser centrado na reação de Trump aos resultados eleitorais que deram a vitória a Biden, já há muito tempo que seus tweets eram alvo de preocupação: neles surgia desde partilha de desinformação a incitação (indireta) à violência.
Contudo, as preocupações de Elon Musk em relação ao Twitter estão mais alinhadas com a defesa das práticas de Trump do que com quem as criticava. Numa entrevista, Musk define-se como um “free speach absolutist”, admitindo que há limitações legais – como a remoção de discurso que incite a violência – , mas não conseguindo deixar claro as linhas vermelhas que teriam de ser criadas para as garantir.
Como refere Yishan Wong – que já esteve à frente do Reddit – numa long thread no Twitter, Musk terá boas intenções, mas parece não compreender o funcionamento atual das redes sociais: “The internet is not a “frontier” where people can go “to be free,” it’s where the entire world is now, and every culture war is being fought on it.”
A ideia do “town square”, o sítio onde todos podem ser ouvidos, foi ocupado por invasores que utilizam essa liberdade contra quem a pratica. Já não é só uma discussão sobre câmaras de eco e filter bubbles que acusam um certo determinismo tecnológico – algorítmico – em relação à variedade da nossa dieta de opiniões nas redes sociais, a discussão é agora sobre quem “manda” na liberdade de expressão online.
Como se discutiu após a exposição do Cambridge Analytica, ao protegermos a liberdade de expressão, a visão externa da liberdade de opinião, não nos devemos esquecer também de proteger a liberdade de pensamento, que é danificada pela partilha de desinformação e a manipulação cognitiva.
Esta discussão não é só sobre o Twitter, ou só nos EUA. Em Portugal, o artigo 6º da Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital, que prevê o Direito à Proteção contra a Desinformação, está em análise pelo Tribunal Constitucional, com vozes que dizem ser um primeiro passo para a criação de um Ministério da Verdade. E esta é a verdadeira questão a que Elon Musk, e não só, terá de responder: se usarem a liberdade de expressão contra a democracia, manipulando a liberdade de pensamento, até onde iremos para a proteger? Defendemo-la sem limites? E qual é o custo de não a defendermos?
E, finalmente, uma outra questão, à qual Elon Musk não irá, certamente, responder: queremos que seja Elon Musk a “mandar” na liberdade de expressão online?
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.