Dizem que em política tudo muda muito depressa. Nem sempre é verdade, mas no último mês as coisas mudaram de facto em ritmo acelerado. Temos agora um Parlamento com uma dissolução já anunciada e eleições à porta. O motivo: a incapacidade de o Governo fazer passar o seu Orçamento do Estado para o ano que vem.
Desde 2016, o PS afirmava-se com arrogância como o partido de Governo, capaz de fazer acordos com praticamente todos os partidos no espectro político. Aliás, dava-se até ao luxo de raras vezes os cumprir. Aprovava orçamentos à esquerda e pseudorreformas com o PSD, numa política de alianças e de acordos aparentemente sem outra estratégia que não fosse a da manutenção do poder e a dum certo statu quo. O resultado dessa estratégia não foi rápido mas foi trágico. O PS acabou num partido incapaz de se entender seja com quem for.
No debate do Orçamento que acabou chumbado, o primeiro-ministro afirmava que tinha muito orgulho em ter rompido com o chamado arco da governação. Pois o arco tinha esse nome por um motivo. É precisamente porque a teimosia numa governação com o apoio das esquerdas mais radicais conduziu Portugal a uma situação objetiva de ingovernabilidade. Quando Portugal ainda não só não recuperou da pandemia como ainda discute novas vagas, a geringonça de que o primeiro-ministro se orgulha não conseguiu sequer aprovar um Orçamento do Estado.
A geringonça gosta de ventos de feição; quando as coisas se tornam difíceis, ou quando há sinais de viragem numas autárquicas, rapidamente cada um vai para o seu lado, com mais preocupações eleitorais do que vestígios de sentido de Estado. E assim continuam, aliás, com os responsáveis do PS e do BE ainda a falarem em entendimentos a seguir às eleições e sem admitirem qualquer sombra de responsabilidade na confusão em que mergulharam o País. É caso para perguntar o óbvio: afinal, se são capazes de se entender, como não foram capazes de aprovar o Orçamento?
Esta ausência de estratégia teve e tem consequências. Para começar, Portugal é hoje um dos países mais lentos a recuperar da pandemia. Há mais de oito Estados-membros que já recuperaram em 2021 o seu PIB pré-pandemia e prevê-se que, no fim deste ano, mais quatro lá cheguem. Já para nós, o Governo acha muito ambicioso voltarmos ao ponto em que estávamos antes da pandemia lá para 2022.
É o retrato dos anos da geringonça que nunca entendeu que não é possível distribuir riqueza sem a criar e que tem o seu reflexo num País que continua a ser ultrapassado em PIB per capita pelos países do Leste europeu, que aprenderam com muitos sacrifícios o que custam as receitas que em Portugal alguns dos partidos desta geringonça querem ainda aplicar.
Depois, a transformação da política numa espécie de leilão, com todos a fingirem que é possível o Estado dar tudo a todos e que o Estado tem quaisquer recursos que não sejam os que retira aos cidadãos, significou que na maior parte destes anos a carga fiscal aumentou.
Os impostos indiretos, as taxas e as taxinhas proliferaram, passando por tudo, desde o açúcar a florestas e a embalagens de takeaway. Um Governo que começou com um aumento de impostos nos combustíveis, do qual nunca recuou, nem mesmo agora que os preços do gasóleo e da gasolina atingem recordes.
Ao mesmo tempo, a despesa primária sem medidas de emergência deve crescer, e muito. De €84 700 milhões em 2019 para €98 700 milhões em 2022. Ou seja: quase mais quatro pp do PIB. A economia que cresce muito pouco, mas o Estado não para de crescer muito.
Desta geringonça ficará para a História que caiu exclusivamente pelas suas mãos e não merece de Portugal outra oportunidade.
(Opinião publicada na VISÃO 1499 de 25 de novembro)
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