A propósito do Dia Mundial do Sono, proponho uma nova abordagem a este tema que ocupa cerca de 1/3 das nossas vidas: encarar o sono como um investimento.
Numa lógica de economia de recursos, torna-se essencial aprender a dormir bem, a gostar de ir para a cama, a não deixar o sono cair constantemente para o fim da lista de tarefas. Nem gosto particularmente desta forma de ver o sono como uma tarefa, um fardo, uma chatice, mas é assim que as pessoas o descrevem tantas vezes.
Embora seja um fenómeno transversal, a desvalorização da importância do sono é particularmente alarmante entre os jovens. É certo que a socialização e a relação entre pares é fundamental na adolescência e início da idade adulta, mas não faz sentido prescindir do sono para conviver. Aliás, quem faz diretas, quem dorme pouco durante a semana e muito ao fim de semana (um fenómeno a que chamamos jet-lag social) e quem não trata as doenças do sono tem mais tendência para instabilidade emocional, comportamentos de risco e decisões impulsivas, o que afeta naturalmente a aprendizagem e a socialização.
Para os adultos, dormir é muitas vezes um desejo, mas nem por isso uma prioridade. De preferência, o sono aconteceria quase por magia. Com ajuda de comprimidos ou de uma varinha mágica, as pessoas querem dormir quando dá jeito, quando já terminaram tudo o que tinham para fazer ou quando já não aguentam mais tempo acordadas. Esquecem-se de que o sono é uma função vital e que sem ele não sobrevivemos. Não reconhecem o impacto da forma como organizam as 24h na qualidade do sono, subvalorizam o papel da luz na regulação dos ritmos biológicos e sentem que o sono simplesmente deveria aparecer à hora certa, sem precisar de ser convidado.
Apesar de todas as pessoas precisarem de dormir, nem sempre a relação com o sono é fácil ou prazerosa. Todos conhecemos ditados que remetem o sono para segundo plano (ou mesmo para último), apregoando que a vida está aí para ser aproveitada e que podemos “dormir depois de mortos”. Tanto quanto sei, é preciso estar vivo para dormir e é preciso dormir para viver!
Em alternativa a esta visão negativa, seria mais interessante pensar no sono como uma garantia de sucesso a curto, médio e longo prazo, nas mais diversas áreas de vida. A nossa divisa poderia ser: se dormir bem hoje, amanhã estou mais bem-disposto, vou ter menos rugas, sentir-me mais enérgico e motivado e ainda reduzo o risco de doenças crónicas graves, alguns tipos de cancro e aumento a minha esperança média de vida. Só por hoje, vou dar prioridade ao sono.
Interessa recordar que o sono deve ser qb, nem demais nem de menos. Dormir mal pontualmente não é preocupante e as perturbações do sono têm tratamento, através do qual é possível melhorar a qualidade de vida, a saúde e a segurança (tanto de quem sofre da doença, como dos que o rodeiam). Os riscos da privação, excesso ou patologia do sono não tratada são muitas vezes silenciosos. Em contexto clínico, é comum recebermos pedidos de ajuda “tarde demais”, de pessoas que desconheciam ou negligenciaram o papel crucial do sono nas suas vidas. Muitas vezes, é preciso apanhar um susto como adormecer ao volante, ter um AVC, ser despedido, etc. para perceber que faz mesmo falta ter um sono saudável.
Já que apostamos tanto em bons hábitos alimentares, de exercício físico e de saúde mental, interessa saber que nenhuma destas áreas funciona bem quando se dorme mal. Fica a sugestão de reorganizar a sua agenda de maneira a respeitar e proteger o sono todos os dias, já que regularidade e consistência são as palavras-chave.