Ontem fui convidado para falar num encontro de ex- -alunos do curso de Gestão da Universidade Católica do Porto. Eu andei lá de 1996 a 2001, sou licenciado em Gestão e Administração de Empresas. Também já fui convidado para debitar umas palavrinhas no Colégio onde andei até à quarta classe. No liceu onde andei, o Garcia de Orta, também passei há pouco tempo, à laia de uma reportagem da TVI sobre os lugares da minha juventude. Em todos estes lugares da minha travessia académica sou sempre muito bem tratado. Sou muito reconhecido a todas estas escolas e, pelos vistos, vice-versa, pois noto sempre um enorme orgulho nas pessoas que me recebem em representação das respetivas instituições. Fico, como é óbvio, muito orgulhoso, muito vaidoso desse orgulho, dessa vaidade. Todas estas instituições têm algo em comum, para além de terem sido os pontos cardeais do meu longo calvário escolar: ninguém se lembra de mim, da minha passagem por estas casas. A cena do Garcia de Orta foi até bastante caricata: para além dos repórteres da TVI, ia comigo o Francisco Carvalho, meu amigo e road manager, na qualidade de pessoa que me acompanha em tudo da minha profissão, que garante as boleias, os horários, a logística, as comidinhas especiais sem glúten e lactose do menino miguelzinho pela sua rica saúde, a pessoa que move diligências para que este mundo duro me seja mole, a pessoa que me muda as fraldas e me dá os biberões e que, por coincidência, também andou nesse mesmo liceu. Quando entrámos fomos recebidos por saudações calorosas, olha-me este, ei, este é que era cá um caubói, então estás bom, o que é feito de ti, e esse calor todo não me era dirigido a mim, a vedeta, o objeto de tão distinta reportagem televisiva, mas sim ao Chico, que deixou por lá a sua marca, como quase toda a gente por onde passa. A senhora da porta deve-me ter reconhecido porque me perguntou se eu não era o cantor Mário Zambujo. Disse que sim, e que tinha andado ali, mas isso ela não se lembrava. O senhor Gentil, do bar aonde me dirigi todos os santos dias durante 3 anos para um folhado e um sumo misto (meio ananás meio laranja) também não se lembrava. Ontem na Católica também não foi muito diferente. Passei pelo longo deserto escolar a deslizar pelos cantos, sem falar muito, sem levantar o dedo, sem nenhuma falta disciplinar, sem fazer nenhuma onda, com boas notas até. O meu melhor amigo até hoje, recrutei-o com 10 anos porque era o único da minha sala que sabia quem era o Eric Clapton. Fui recrutando alguns amigos mas sempre só por causa da música. Sempre foi a única coisa que me interessou. Antes da primeira guitarra, aos 11 anos, a minha vida é um borrão distorcido e desfocado. Lembro-me bem de tudo, mas não me lembro porquê. Passei o resto da vida a tocar guitarra na clandestinidade (se os meus pais entravam no quarto, eu largava e fingia que estava a estudar, se a minha mulher entra na sala eu também largo e finjo que estava a fazer outra coisa qualquer, útil), sempre a pensar que estava (estou) em delito, a fazer aquilo que se vulgarizou como expressão de não fazer nada, “tocar viola”. Eu nunca perguntei nada a nenhum professor, nunca me interessei. E os professores também nunca me perguntaram nada a mim, também não se interessaram. É justo. Nunca fui sondado no sentido de aferir qual seria o meu interesse na vida, em que matéria desta vida poderia um dia vir a fazer diferença. Ontem, no fim da tal palestra pediram-me se eu deixava uma mensagem aos alunos. Eu não sabia bem o que dizer, mas ocorreu-me tentar dizer isto: aquela mania, aquela obsessão sem sentido, aquela panca inexplicável que vos desvia dos estudos, aquela fixação que vos ocupa a cabeça, que vos escolheu e tomou de assalto por qualquer razão, seja lá o que isso for, guardem bem. Aprendam as coisas da escola sem fazer grandes ondas e não contem a ninguém, guardem isso como um segredo. Seria uma tragédia à escala global não ser essa a vossa vida.
(Crónica publicada na VISÃO 1361 de 4 de abril)