A mãezinha adora-te, depois quando sairmos daqui vamos fazer uma festa e a mãe vai contar-te muitas histórias.” Assim prometeu ao filho que lhe arrancavam dos braços, impedindo-a de o levar até ao tio, então um desconhecido. Os gritos da criança ecoaram. Alice foi com os pais para a clandestinidade e acabou também, anos mais tarde, por “dar o salto”. Naquela noite de dezembro de 1964, em que foi presa com a sua mãe e levada para Caxias, juntamente com o pequeno Alfredo de 4 anos, eram responsáveis por uma tipografia clandestina. O companheiro, os sogros e os pais estavam igualmente presos e a criança ficou ao cuidado do seu irmão mais velho. O fascismo não reconhecia como legítimos os filhos nascidos fora do casamento e por isso Adelino, em Peniche, e Alice, em Caxias, casaram-se por procuração para que o filho os pudesse visitar na prisão.
“Puta, cabra, ao teu filho vais vê-lo morto”, gritavam-lhe aos ouvidos enquanto a socavam, pontapeavam e atiravam contra a parede. Cinco dias e 5 noites de tortura do sono, e nem mesmo quando a toalha molhada lhe atingia a cabeça e provocava alucinações permitiram que se sentasse ou deitasse. Esteve presa 5 anos, nunca falou. Filha e neta de operários comunistas da cintura industrial de Lisboa, desde cedo teve contacto com a luta antifascista e preparava-se para “dar o salto” novamente quando a Revolução de Abril aconteceu. O fascismo de Salazar e de Marcelo Caetano foi isto e não há guerra de audiências que justifiquem a sua banalização e naturalização.
Há uma semana, o programa líder de audiências nas manhãs televisivas decidiu promover um vox populi sobre se “faz falta um novo Salazar?” e elevar um nazifascista a alguém com “opiniões polémicas”, e que, sem demonstrar pingo de arrependimento, foi condenado a 20 anos de prisão por envolvimento no homicídio de Alcindo Monteiro, discriminação racial, extorsão, sequestro, tortura, roubo e coação agravada, ofensa à integridade física, dano, posse ilegal de armas e difamação. “Opiniões polémicas” onde difunde e afirma que “um dos anos mais felizes que tive foi o ano em que esfaqueei 11 pessoas, recorde absoluto, o sentir da faca a entrar, o inimigo a desfalecer, o seu olhar de pânico, tudo isto em conjunto dá-me vida, recarrega-me baterias”. É mais que motivo de condenação e preocupação, é motivo de firme combate.
Hoje, não há espaço para a distração ou desvalorização destas ameaças ao regime democrático, não se pode afirmar num dia que o populismo deve ser combatido e noutro dar espaço à banalização e naturalização do fascismo. Todos seremos poucos, mas todos seremos necessários. Fascismo nunca mais
(Crónica publicada na VISÃO 1349 de 10 de janeiro de 2019)