PT, TAP, CTT, EGF, EDP, REN, GALP, ANA, Caixa Seguros, ENVC. Mais de uma mão-cheia de empresas públicas privatizadas pelo anterior Governo PSD/CDS. Com a alteração da correlação de forças no Parlamento, foi possível reverter parcialmente a privatização da TAP. Nas restantes, os acionistas continuam a distribuir lucros enquanto as populações e os trabalhadores pagam a fatura. Até aqui nada de novo na história das privatizações, mas interessa recuperar o caso da Fidelidade Seguros, ex-grupo CGD. Em 2014, o grupo chinês Fosun adquiriu cerca de 85% do seu capital e logo foi anunciado o objetivo, entre outros, de venda dos imóveis da sua carteira. A partir de 2015, o novo acionista impôs a renegociação dos contratos de arrendamento dos inquilinos desses imóveis, encurtando a sua duração e aumentando o valor das rendas. Em Santo António dos Cavaleiros, no concelho de Loures, a Fidelidade Seguros é proprietária de três (grandes) torres de apartamentos. Nelas vivem mais de 150 famílias. Dessas cerca de 400 pessoas, muitas moram lá desde há décadas, grande parte é idosa. Num dos blocos, mais de 70% dos seus moradores terão mais de 70 anos, alguns acamados e com problemas de saúde. Alguns foram recentemente notificados da não renovação do contrato e da obrigação de nos próximos 120 dias entregar as chaves dos apartamentos.
Um parêntesis. Recuemos ao ano de 2012, porque estas coisas não caem do céu e geralmente são oferecidas por governos dedicados. A então ministra Assunção Cristas desenhou uma lei do arrendamento urbano para despejar moradores. A lei aprovada por PSD e CDS tinha à data (e tem ainda em 2018) a finalidade de transformar a necessidade e o direito das pessoas a ter uma casa num negócio cada vez mais especulativo e lucrativo. Passado pouco mais de um mês da sua entrada em vigor, a média foi de 11 despejos por dia. Esta dinâmica de despejo e de aumento escandaloso de preços é assustadora, tem provado que veio para ficar e alarga diariamente a sua zona de influência. Parêntesis fechado.
Não será difícil imaginar com que preocupação e ansiedade os moradores têm vivido estes dias, sem saber como será o futuro e com consciência de que adiar o despejo não tranquiliza. A gravidade da situação não pode ser reduzida a um mero conflito entre senhorio e inquilinos.
O Governo pode e deve intervir desde já para travar estes despejos. Mas pode e deve também o Parlamento, designadamente o PS, aprovar a proposta do PCP de revogação da lei dos despejos. Em 2016, por proposta do PCP, foi aprovado um conjunto de alterações cirúrgicas à lei, que permitiu evitar por mais algum tempo os despejos dos moradores abrangidos pelo regime transitório, mas não evita os despejos.
O drama destas famílias em Santo António dos Cavaleiros prova, infelizmente, a urgência em despejar o pensamento de Cristas da lei do arrendamento e cumprir o artigo 65º da Constituição. O PCP já respondeu com proposta, da parte dos seus autores (PSD e CDS) não esperamos novidade, veremos se o PS desperdiça uma segunda oportunidade para revogar esta lei injusta e defender o direito à habitação para todos.
(Artigo publicado na VISÃO 1309, de 5 de abril de 2018)