1 – Vencido que está o partido depois de uma campanha relativamente hipnótica, importa agora perceber o que vai Rui Rio fazer com ele. Paradoxalmente a grande questão está relacionada com aquele que foi o espetro que pairou – tão silencioso como omnipresente – sobre estas eleições: Pedro Passos Coelho.
Do ponto de vista tático, Rio terá pouco a ganhar com uma colagem excessiva ao PSD de Passos. A memória da intervenção da Troika, dura, polarizadora, está ainda muito presente. Num momento em que tudo corre de feição ao Governo na frente económica e nas finanças públicas (ou parece correr, o que é politicamente a mesma coisa), a ideia de um discurso claramente conotado com as opções de Passos (ou da Troika) parece arriscada. O País, embalado por reposições de vencimentos e por afetos, estará pouco disponível para se render aos encantos do superavit. Acresce que o coração laranja de Rio baterá, genuinamente, e apesar de alguma ortodoxia financeira, à esquerda daquilo a que, em jeito de insulto, se convencionou chamar o “neoliberalismo” de Passos.
O problema, o paradoxo, é que sem um posicionamento claramente mais liberalizante nas opções económicas, sem uma afirmação clara dos méritos de uma redução do peso do Estado, sem um afrontar de professores, de médicos e demais funcionários públicos, dificilmente o PSD de Rio se distinguirá da práxis do Governo. E assim como assim, se todos pregam o mesmo, para quê mudar?
Da escolha de uma destas opções dependerá, com alta probabilidade, muito do futuro de Rio.
2 – Mas se o futuro do novo líder do PSD depende em boa medida da forma como lidará Rio com a herança de Passos, não menos relevante será saber a forma como se posicionarão muitos dos companheiros do ex-líder no pós-2019. Travados por algum calculismo, surpreendidos pela decisão repentina de Passos, a verdade é que muitos olharão para as legislativas de 2019 como o momento ideal para desafiar o novo líder. O que farão – e naturalmente especulo – Montenegro, Moedas, Maduro ou Rangel – em caso de uma derrota expressiva do PSD?
Também deste ponto de vista é o espetro de Passos e da sua herança que paira sobre o futuro de Rio.
3 – E aqui chegados, resta saber o que fará Passos “lui-même”. Ou, o que é perguntar a mesma coisa, quem é o Passos que agora se retira. O homem que conduziu com estoicismo o País por entre uma das maiores tormentas que atravessou desde o 25 de Abril? O líder desapegado, o estadista educado e elegante que parece sinalizar o fim da sua passagem pela política de que não dependerá? Ou o ex-jota, legitimamente ambicioso, que foi pacientemente percorrendo a via sacra que haveria de o levar ao poder? O homem que nunca verdadeiramente fez outra coisa senão política?
Passos é um dos grandes mistérios da vida política portuguesa. E o tempo de o esclarecer não é seguramente este. Mas o que parece inevitável é que, direta ou indiretamente, voluntária ou involuntariamente, continuará a marcar a agenda do seu partido e do País ainda por uns bons anos. Presente na luta quotidiana dos bastidores ou pela força da sua genuína ausência.
(Artigo publicado na VISÃO 1298, de 18 de janeiro de 2018)