O Fernando Pessoa defendia que a mentalidade portuguesa se caracteriza fundamentalmente pelo provincianismo. Por provinciano, entendia todo aquele que ama o progresso, que sonha com o que de melhor e mais moderno emana do estrangeiro, que de certa maneira inveja a cultura dominante incorporando-a, de forma mais ou menos trôpega, no seu próprio viver. Venerando o novo, não pela natureza prática e utilitária da novidade em si, mas pelos seus aspetos formais e acessórios, o provinciano é aquele que se dirige a um Shopping para experimentar as escadas rolante novas. Eu, que levo a vida a viajar pelo nosso país, sou fascinado pelos aspetos visíveis deste traço mental que nos é comum a todos. E é por isso que sou bastante sensível aos nomes dos cafés. Os nomes dos nossos cafés refletem sempre um ideal de vida. Remetem para um lugar distante, melhor, um dourado Shangri-la onde a vida se cumpriria enfim. Os nomes dos cafés, correspondentes a esse lugar de sonho e idílio, vão mudando através dos tempos. O tal provincianismo que lhes é inerente é que não.
Os cafés mais antigos, garbosos, de pé-direito generoso, empregados de colete e laço, abundantes nas zonas históricas, são dum tempo em que a alta cultura falava francês. Têm nomes que refletem a nossa veneração pela velha Europa imperial. São os Café Paris, Astória, Café Rialto, Pastelaria Veneza e Café Imperial que a gente vê por aí. Segue- -se a geração do sonho americano, dos filmes de Hollywood, da TV, do homem na lua, do Marlboro Man. Surgem os cafés com toldos Lipton, panikes, spur cola e jogos de setas. Chamam-se Café Dallas, Café Hollywood, Snack-bar Popeye. Nos casos de maior expressão, os nomes vêm mal escritos: Café Havay, Maiami Burguer, Jonnhy’s Bar. Um pouco de sonho americano oferecido ao cliente enquanto lê a bola ao balcão. Nomes que, neste mundo que se autorregenera, foram dando lugar, no virar do século, a uma nova tendência. A tirania do cool deslocou o seu eixo para outras paragens. Moda, Milão, noite, clean, urbano, minimal. São os cafés com “café” no fim. Lounge Café, Fashion Café, Urban Café, Silk Lounge. Cafés com pouffs cor de rosa e um plasma na parede ligado na Fashion TV. Cafés cuja linha estética foi gizada pela filha dos proprietários, mais sintonizada com estas novas tendências.
E eis que chegamos à atual tendência. O provincianismo pessoano do batismo caféeiro corrente já não remete para uma América, Londres ou uma Ibiza de modernidade desejada, mas antes para um tempo anterior. No tempo que eu levei a escrever estas linhas, quase de certeza que abriram novos espaços com nomes como a Bacalhoeira do Bairro, A Leitaria da Bica, A Croqueteria do Bolhão, A Francesinheria de Paranhos, ou A Mercearia do Campo Grande. É um claríssimo regresso a um estilo algo “português suave”, de nomes funcionais, simples, utilitários, numa estética de “forma submete-se à função”, claramente Estado Novo. Os negócios desse tempo tinham nomes assim: a Casa dos Tecidos do Chiado, a Loja das Meias de Alfama. Até as canções davam pelo nome de a Costureirinha da Sé ou Uma Casa Portuguesa. Eu não percebo nada de política internacional, geoestratégia ou sondagens, mas olho sempre para os nomes dos café. E sei que os nomes dos nossos cafés espelham sempre os nossos desejos de uma vida melhor. E sei que, provavelmente, acaba agora mesmo de ser desalojado um comerciante velhinho para dar lugar a um café chamado a Petisqueira Lisbonense. A esse senhor será com certeza oferecido um emprego, nem precisa de saber tirar cafés, basta que se deixe estar ao balcão e tenha a idade e o sotaque autóctone indispensáveis para conferir tarimba de autenticidade a esse espaço típico cujas paredes, forradas a fotografias antigas de sorridente e benfazeja alegria no ofício da panificação artesanal, ainda cheiram aos vapores da última demão de tinta.
(artigo publicado na VISÃO 1247, de 26 de janeiro de 2017)