Já cheguei a uma idade em que não parece mal dizer que “eu sou do tempo em que”. Portanto, aqui vai disto: eu sou do tempo em que encontrar um estrangeiro em Lisboa ou no Porto, cidades onde na minha vida passei mais tempo, era raro ̶ nem turistas nem residentes. As férias algarvias eram a altura do ano em que se via gente de outras nacionalidades, em que se ouvia falar outras línguas e em que se observavam hábitos diferentes, mas, apesar disso, nas cidades e nas praias onde passei tantos verões, os estrangeiros eram uma pequena minoria.Não sendo eu rapaz novo, a estimada leitora ou leitor dirá que isso foi há muito tempo. A memória também não é o meu forte, mas, há meia dúzia de anos, eu ia da Estrela ao Chiado e cruzava-me com um par de estrangeiros ou saía da Estação de São Bento e ia até ao Palácio da Bolsa pela Rua das Flores, e não eram propriamente turistas as pessoas que eu via. Agora é difícil fazer estes trajetos e ouvir sequer um bom-dia em português. Também é atual, e não doutra geração, que gente, com outros costumes e origens, nos transporte, nos sirva em restaurantes e em lojas, nos faça as casas, cuide de nós ou execute qualquer outra tarefa fundamental para a nossa vida coletiva. São pessoas que trabalham e vivem ao nosso lado, que rezam a outros deuses, que têm nomes estranhos e hábitos exóticos, que falam outras línguas, arranham o português ou falam naquele modo doce e arrastado com que os nossos irmãos brasileiros embelezaram a nossa áspera língua.
Tenho mais memórias deste género. Visitar, no meio de milhares de turistas como eu, cidades como Barcelona, Veneza ou Florença e sentir que os locais me olhavam de lado e não me faziam sentir bem-vindo – aliás, preparo-me para uma dose semelhante daqui a uns dias. Também me recordo demasiado bem dos meus compatriotas emigrantes a falar baixinho, para que não se percebesse que não eram franceses, suíços ou alemães. A propósito, um português que não tem empatia com os imigrantes é alguém que não sabe o que é Portugal e que cospe na nossa História. Para que o nosso país funcione, crie riqueza e se torne um local onde as pessoas vivam melhor, não podemos prescindir de imigrantes e de turistas. Falando especificamente dos imigrantes, a saúde da nossa Segurança Social depende deles, e a nossa demografia e muitas outras coisas também.Vou assistindo às preocupações sobre o crescimento do turismo. Claro que o impacto sobre os preços da habitação, sobretudo nos centros das nossas principais cidades, o aumento do custo de vida ou a pressão sobre alguns serviços públicos não são fenómenos de desprezar, mas ainda estão por inventar vantagens sem contrapartidas negativas. O facto é que o turismo é uma fonte de receitas importantíssima, que mudou a face das nossas cidades para muitíssimo melhor e que, mais do que tudo, trouxe enormes melhorias ao bem-estar das nossas populações. O emprego criado, os melhores salários, a superior receita fiscal deixam os problemas, que inevitavelmente se criam, a milhas dos benefícios.