As expressões artísticas têm sido campo de frequentes encontros entre inspirações que partilham uma ligação forte entre Portugal e a Eslovénia. Temos tido a oportunidade de falar aqui em algumas e é neste contexto que trazemos a pianista eslovena Natalija Šaver ao palco da revista VISÃO. Falamos com ela para conhecermos mais a fundo as suas paixões, motivações e experiências, muitas das quais traz consigo, na sua música.
Com vários anos a viver simultaneamente no Estoril e Nova Gorica, de onde é originária, é inevitável que traga algum do espírito português na sua expressão artística. Ela acredita que compor música é, sobretudo, colocar as suas experiências de vida, os seus pensamentos, lugares onde esteve, músicas que ouviu, pessoas que conheceu, etc, em formato musical, com as notas musicais que escolhe. E confessa, “então, sim, Lisboa está definitivamente muito presente nas minhas composições, pois representa uma parte muito importante da minha vida.”
Quanto ao prato de bacalhau preferido, confessa: “Mesmo que tenha passado muito tempo em Portugal, ainda não experimentei todas as receitas de bacalhau. Uma das primeiras que experimentei foi o Bacalhau à Brás e continua a ser a minha preferida. Acompanhado de um fantástico vinho português, sou a rapariga mais feliz do planeta.”
Quando não está a treinar, o seu lugar favorito é a beira-mar, onde vai sempre que pode porque, admite, a enche de vibrações positivas, ideias, paz… e quando não está a praticar procura viver a sua vida ao máximo. Adora boa comida, um bom vinho, fazer desporto, e coloca tudo isso na sua música. É atribuída a Beethoven a frase: “tocar uma nota errada insignificante, mas tocar sem paixão é imperdoável”.
De acordo com a Natalija, as diferenças entre os públicos em Portugal, Eslovénia e Itália, palcos onde é mais frequente, traduzem-se na forma como as pessoas reagem, se e como o artista as toca com a sua música, a sua interpretação e a sua capacidade de criar a energia, frequência e vibração certas que ressoam com elas. “Se tocar bem, eles batem palmas, e se não for do seu agrado, eles não aplaudem. É assim em qualquer lugar do mundo, não importando as suas diferenças culturais. Coisas boas são notadas, sempre.
Quando lhe pergunto se tem algum compositor português no seu repertório, responde com uma ligeireza que adoraria tocar uma peça para piano feita para si pelo Nuno da Rocha, se isso fosse possível. Diz que adora o seu trabalho orquestrado / coral criativo “Inferno”, e que acredita que é um jovem compositor português muito talentoso que tem muito para contar.
Se pudesse escolher, era com a maior fadista, Mariza, a pianista Maria João Pires e o jovem compositor português Nuno da Rocha que gostava de tocar, e que admira muito. Aliás, teve oportunidade de conhecer pessoalmente Nuno da Rocha depois de ouvir a sua obra “Inferno” no teatro Gulbenkian em Lisboa.
Já pensou em trazer o fado para as suas composições para piano. Aliás, ainda tem essa ideia na cabeça, esperando ser concretizada. Sempre foi da opinião de que a combinação da pura tradição portuguesa poderia ser muito interessante junto com o som de piano acústico absoluto. Já colaborou nos seus projetos anteriores com cantores tenores e, de alguma forma, o fado lembra-lhe a canzone napoletana, triste e lenta. “Existem algumas semelhanças muito interessantes, parece que a tristeza em ambas as culturas foi colocada na música de uma forma muito semelhante e também cantada de uma forma muito semelhante. Então, sim, fado com som de piano acústico é definitivamente algo que gostaria de explorar nos meus próximos projetos.”
Os seus espetáculos são reconhecidos pela sua escolha musical, performance e imagem visual criativa (cenografia, luzes, videoclipes), com uma base que “foi e sempre será a música do mundo clássico”. E acrescenta que gosta muito de tocar a música de Ludwig van Beethoven, mas que ao mesmo tempo procura compositores do século XX, tendo esse sido também o tema da sua especialização. “No século XX, houve muitas experiências diferentes, tanto com harmonias, ritmos, houve usos inovadores de instrumentos muito diferentes, e tudo isso sempre me interessou, porque com todas essas inovações, novas dimensões se abrem para mim como intérprete e também para o público. Por exemplo, uma combinação de uma voz de tenor, um piano e instrumentos de percussão selecionados podem, no seu conjunto, criar uma imagem sonora única e muito popular, independentemente do período de trabalho escolhido.”
No seu último concerto em Liubliana, enfrentou o público de Jazz num ambiente muito diferente da audiência da música clássica. Ambos estes estilos musicais representam fortes tradições na Eslovénia onde, por um lado a música clássica ainda atrai público variado aos concertos frequentes na capital eslovena, assim como ao horário nobre na televisão nacional. Por outro, e como já tive aqui oportunidade de contar, Ljubljana mantém o mais antigo festival de Jazz europeu, o que por si só é uma importante referência à importância desta expressão musical.
“Tenho muita sorte de estar, quando toco, ensaio, preparo, visualizo, sempre na companhia de génios, de Bach às grandes mentes musicais do século XX. Sinto-me privilegiada e genial na sua companhia. Seja no palco ou em casa, não há diferença, a música e a prática precisam de ser constantemente nutridas e cuidadas para que não percam o seu papel mais importante – tocar o coração e a alma do ouvinte com a sua própria mensagem.” Quando está em casa, tem muita responsabilidade em preparar toda a apresentação de forma tão excelente para que essa magia aconteça, mas quando está em palco, acontece se estiver bem preparada. Enfim, na companhia de génios, é sempre mais sublime, seja em casa, no palco ou nos bastidores, logo antes de um espetáculo. “Estou muito grata por ter tido, com o meu espetáculo “Atmospherica” em Ljubljana, a oportunidade de entrar em contato com o público do jazz e, acima de tudo, estou extremamente feliz por ter recebido um feedback incrivelmente bom. Principalmente quando falo sobre minhas próprias composições.” Está a trabalhar no seu álbum com composições originais, que será lançado em 2021. “E mal posso esperar para tocá-lo ao vivo porque quando toco as minhas próprias canções, é outro nível, é muito mais íntimo e quase assustador, mas maravilhosamente poderoso.”
Não se quer limitar a “rótulos que, numa palavra, inadvertidamente limitam tudo o que alguém faz e cria, principalmente quando falamos de arte”. E elabora dizendo que “Eu mesmo sou uma pianista, cuja tarefa é extrair a nota do compositor do registo musical e adicionar a sua própria nota, apresentando-a ao público de forma musical”. O mesmo se aplica à composição, exceto que tudo vem apenas de Natalija Šaver, como compositora e intérprete. “Música é música”. Foi isso que Alban Berg respondeu a George Gershwin na primavera de 1928 em Paris, quando questionado por que não haver diferença entre a chamada música “educada” e a “popular”. “Eu mesma apoiei fortemente essa citação no meu trabalho durante a última década. Combino piano clássico e música contemporânea, entre as partituras de Beethoven, Bartok, Barber, Rachmaninoff, Gershwin, John Cage, Einaudi, Natalia Šaver – música é música independentemente de seu estilo e expressão.”
Apesar de ter estudado piano clássico, a Natalija tem algumas experiências em música eletrónica de dança. Contou-nos que sempre foi atraída por opostos como música clássica e música eletrónica. “Tive a oportunidade de trabalhar com alguns produtores de música eletrónica e foi uma experiência maravilhosa que me trouxe muitas técnicas completamente novas, dimensões nas quais eu nunca havia pensado antes. Também me formou como artista e abriu novos ângulos”. Atualmente está a trabalhar no seu material acústico de piano solo que se pode encontrar em todas as plataformas digitais de música – Spotify, Apple Music, Youtube, Pandora, Deezer – assim como do Instagram, Facebook e do www.natalijasaver.com. Para além disso, já fez mais de 80 transmissões dos seus concertos caseiros através da sua conta no Instagram (@natalijasaverpianist) desde a primeira quarentena que se impôs em março na Eslovénia. Fica então o convite a conhecer esta artista maravilhosa com uma mão cheia de canais pelos quais pode chegar facilmente à sua música.