Por este lado as coisas andam animadas. Bem sabemos que o mundo parece estar a desabar. O futuro é incerto. Na verdade, sempre o foi, mas agora temos real percepção da sua dubiedade. Continuamos de máscaras e meio que fechados ao mundo, muito protegidos dentro da nossa própria bolha. Fingimos. Fingimos que isto não nos afeta. Apostamos em expressões que nos convençam da sorte que temos, do privilégio. Não deixa de ser verdade. É. Temos. Mas também somos pássaros de asas partidas. Temos saudades. Estamos preocupados. E cansados.
Nesse processo de continuar, essencial para todos nós, criamos uma agenda bem ocupada. Possivelmente nunca ninguém, nesta comunidade que não é grande, mas parece enorme, saiu tanto. Já percorremos todos os museus, parques, espaços verdes a que chamamos de parques, trilhos, cafés, restaurantes e hotéis. Reinventamo-nos todos os fins-de-semana. É a magia do ser humano em prática. Reinventar-se. E há para todos os gostos.
Festas privadas – que de privadas têm muito pouco porque o João convidou a Sara que por sua vez levou a Ana, prima do Tiago que também lá estava. No fim, estamos todos. Sunsets inspiradores em terraços acolhedores regados a boa música, workshops de muitas coisas, yoga, gastronomia, pintura. Concertos de música clássica, opera, jazz ou dos Free Yoga Mats. E jantares. Tantos jantares.
O governo continua a querer atribuir alguma normalidade aos nossos dias e por isso tem respeitado as agendas festivas, com maior ou menor alteração ao calendário. Embora antecipado, o festival das luzes esteve em força. E a nossa Lusofonia encheu-nos as medidas.
A primeira edição deste festival lusófono aconteceu em 1998 e desde então tornou-se, para a comunidade, o momento do mês. Embora não tenha sido possível nesta edição, é por esta altura que recebemos visitas de artistas lusófonos, que trazem o cheirinho a casa e o sabor a abraços familiares. Tal como o governo de Macau afirma, o festival assume-se como “um importante acontecimento de partilha da cultura das comunidades de língua portuguesa com a cultura chinesa, revelando o papel de Macau como plataforma de intercâmbio cultural entre a China e os Países de Língua Portuguesa”.
No local reúnem-se expositores (vulgarmente conhecidos como barracas) culturais das comunidades lusófonas representadas no território, seja Angola, Brasil, Goa, Damão e Diu, Portugal, São Tomé e Príncipe, Timor Leste, a própria comunidade Macaense, Cabo Verde e Guiné Bissau. Durante os três dias há um pouco de tudo, seja para pequenos ou graúdos. Muitos concertos, muita música, muita dança, arte, artesanato, tradição, jogos, actividades e gastronomia. É uma espécie de Carnaval, três dias de folia.
No entanto, e com o devido respeito, mais do que isto tudo, importa falar-vos de um elemento de destaque deste festival, que estes meus sete anos de Macau me ensinaram: as caipirinhas da barraca do Brasil. É impossível falar da Lusofonia sem falar das famosíssimas caipirinhas do Brasil.
Entre os meus amigos já lhes chamamos de “pomada mágica”. Elas de facto são diferentes de todas as caipirinhas que já provei. Após a primeira surge uma vontade de viver, de começar a abanar o pézinho em jeito discreto. Na segunda já damos por nós a dançar entre barracas, a conhecer novas pessoas e a abraçar antigas. E quem sobrevive à quinta caipirinha, bem…sobrevive. Só isso.
O ponto de encontro para quem só visita a lusofonia à noite é certo, “barraca do brasil”. É ali que revemos amigos que, pelas rotinas ocupadas, estivemos meses sem ver. É também ali que combinamos mais jantares, menos tempo sem nos ver, mais encontros e partilhas. Prometemos mundos e fundos. Ou as caipirinhas prometem. Seja como for, é ali que estamos todos, a ser o que de melhor sabemos ser, uns para os outros. Risadas e brincadeiras, bailaricos e danças, cultura e a troca dela.
O Festival da Lusofonia tornou-se nisso mesmo, um lugar de afetos. Um lugar onde, em algum momento durante aqueles três dias, nos encontramos todos. É ali que revemos caras e corações. Que colocamos as novidades dos que estão mais distantes, em vidas paralelas, em dia. É ali que vemos que o tempo passa, que os miúdos estão a ficar cada vez mais crescidos. É ali que vamos roubar um bocadinho do sabor a casa. E que tanta falta nos faz este ano. Foi ali, nesta edição, que nos soubemos capazes de fazer acontecer, com as pessoas de cá, as nossas pessoas de cá.
Mas é também ali que, todos os anos, nos sentimos parte de alguma parte do mundo. Que somos resultado desta troca entre cá e lá. Entre o ser de lá cá. Que seremos para sempre um bocadinho de cá no lugar para onde quer que sigamos. É ser de Macau e Portugal, da Guiné e de Macau, de caipirinha na mão, um rissol de carne na outra depois de termos jantado um minchi. É saber-nos parte de um todo. Um todo profundo, diversificado, colorido, cheio de tantas coisas.