Reconheço-me algum exagero na época natalícia. No entanto, em minha defesa, li algures pela internet que as decorações de Natal trazem-nos conforto e esperança. Primeiro, se sou livre de acreditar no que quiser, posso perfeitamente acreditar nestes estudos que vagueiam pela web, feitos numa universidade americana de nome esquisito. Aqueles estudos que ditam que o irmão do meio é o mais bonito, inteligente e divertido. Ou que comer chocolate antes de dormir evita pesadelos. Cada um com as suas crenças. Segundo, partindo do princípio que todos gostamos de conforto e esperança, então a lógica dita-nos que o Natal só nos faz bem.
Tem-me ditado a minha pequena experiência de seis anos que esta “brincadeira” de ser emigrante é na verdade uma grande lição de vida. A emigração muda-nos os conceitos, troca-nos as voltas, brinca connosco como se fôssemos bolas de malabarismo. E nós cá estamos, resistindo, umas vezes tontos, outras vezes na ilusão de quase sentir a firmeza dos pés no chão.
Neste processo de reaprendizagem, nesta luta pela sobrevivência num novo mundo, damos por nós mais frágeis, mais carentes e, por consequência, mais tolerantes perante alguém que está a passar pelo mesmo processo.
Nesta sintonia emocional, as relações que fazemos no lugar que nos recebeu são profundamente mais rápidas e intensas. Escrevi-vos uma vez que enquanto emigrantes entregamo-nos com mais facilidade ao outro. Essa entrega é simples e genuína. Rapidamente nos tornamos amigos, nos apaixonamos, por ventura, mais rápido partilhamos casa, viajamos juntos, jantamos quase todos os dias ou almoçamos. São eles, estes novos amigos, que nos ocupam os fins-de-semana, as semanas e os feridos. É com eles que partilhamos os domingos de sofá.
Natural é que em poucos meses essas pessoas, estes novos amigos, ganhem uma dimensão gigantesca nas nossas vidas. São eles que estão para os bons e maus momentos. São eles que estão quando nos falta toda a gente, aquela gente que está longe. São mãe, pai, irmão, cúmplice e o melhor amigo. São eles que nos aparecem em casa sem avisar, é com eles que partilhamos carros, casas e abrigos. E se um está em maus lençóis então estamos todos!
A partilha é total. Aqui, neste lugar frágil que é a emigração, sentimo-nos ao detalhe. Sentimo-nos com profundidade porque somos tudo aquilo que temos.
E é aqui que acontece a magia. O Natal puxa-nos para Portugal, para a família, para as mesas cheias e damos por nós a querer levar estas pessoas todas connosco. Às cavalitas, ao colo, nas malas de viagens, penduradas nos nossos pescoços. Queremos encher um avião delas e metê-las bem ali, ao lado do avô, da irmã grávida, dos tios, do sobrinho.
É ali, junto aos que sempre foram nossos que queremos estes novos, por serem eles que representam tudo aquilo que somos deste lado. Queremos isto, fazer esta mixórdia de pessoas que não se conhecem de lado algum, mas que nos dizem tanto. Por lhes sentir todo o amor, toda a gratidão que nos é possível.
Na impossibilidade de o fazer fisicamente, enchemos as mesas de conversas. Conversas do outro lado do mundo, do nosso outro lugar. Da Eli que trata sempre de mim, do já nosso Mirinho, da Sara que me aconchega a alma, da Paula que ri, que dança, que chora, que abraça como ninguém. Do Sal que aconselha como irmão mais velho, do Nelson que me protege como um diamante raro, da cumplicidade da Kate e a sintonia da Ló. Da Rita, da Inês, Ana, do João, da Gi, da Raquel, de A, B, C… de tantos nomes.
É deles que nos lembramos quando ali estamos, junto aos nossos, porque neste lado, nesta vida, uma vez mais, são eles que representam tudo aquilo que temos. São eles os nossos presentes num Natal fora de horas. São eles que dão a este lugar o nome de lar.