Hoje as polémicas alastram à volta da música de contornos menos tradicionais, como é o caso da produção de Conan Osiris que se candidata ao Festival da Canção 2019. Foi com muito entusiasmo que o tenho vindo a descobrir desde o Verão passado, onde passava lado a lado com músicos portugueses sobejamente conhecidos num anúncio de TV. Mas foi quando atuou ao vivo no Super Bock em Stock, em Novembro, no Teatro Tivoli BBVA, que me apercebi que não estava sozinho. Sala cheia a aplaudir em pé o que ninguém podia ter bem a certeza estar a acontecer, de tão diferente que era. Olhei para a minha irmã que estava espantada com a coreografia com que o dançarino acompanhava o Conan, e disse-lhe: afinal, é esta a música do futuro.
Desde muito novo me fascinou a ideia da Música do Futuro e do que está mais próximo dela. Ainda na altura das cassetes, álbuns gravados em terceira mão e ouvidos religiosamente, cassetes compradas pelo correio, onde metíamos mesmo notas e moedas em envelopes e esperávamos que chegasse ao destino, e que daqui a um mês voltasse o correio com esses sons que muitas vezes nem passavam na rádio. E que bom era esse sentimento de os receber. Há alguns músicos que voltaram a publicar em cassete, elogiando as suas qualidades. Há até quem só publique em cassete (que é o caso de algumas bandas mais experimentais que encontrei há uns anos em Vancouver). Mas quem viveu com elas sabe bem que as cassetes, se as ouvirmos com alguma frequência, não podem durar muito. E se não são ouvidas podem até ganhar bolor (e os seus conteúdos tornarem-se ainda mais experimentais).
Com a mudança radical da cena musical, uma boa parte da música que se faz hoje em dia é de produção independente. Um pouco por toda a Europa esta mudança traz algum impacto na forma como vivenciamos os eventos artísticos, e na forma como os próprios artistas são apoiados pela comunidade e pelo estado. O festival MENT, que decorre em Ljubljana, no final de janeiro, é um bom exemplo disso. Um festival que tem vindo a crescer nos últimos anos, um festival de cidade numa altura do ano em que já todos estão fartos de ficar em casa a aguentar o Inverno que não acaba. Foi no contexto deste evento que nos encontramos com Nuno Saraiva, coordenador da Associação Portuguesa de Músicos, Artistas e Editoras Independentes (AMAEI), que veio apresentar a iniciativa Europe in Sync na conferência do festival, no contexto da Innovation Network of European Showcases (INES). Falou-nos de uma iniciativa semelhante em Guimarães – Westway LAB Festival – que vai mais longe e dá a oportunidade de juntar músicos de várias origens para produzir algo novo para este evento.
Este ano, o festival MENT chegou à sua quinta edição trazendo consigo um programa bastante diverso e dando a conhecer muita desta música do futuro, num formato muito convidativo de curtos concertos um pouco por toda a cidade. Abriu a primeira noite com Kukla, uma das mais proeminentes artistas eslovenas, que conheci neste mesmo festival em 2017 e que neste ano voltou a mostrar o grande potencial da música que se faz por cá. Houve música para todos os gostos, atraindo um público mais e mais aberto a um programa cujos artistas não conhece (um pouco como acontece com os festivais de música do mundo). Um dos grandes destaques foi o artista que dá pelo nome de Summer of Haze a representar o movimento russo de nova música de dança, que faz parte do curto documentário da BoilerRoom x ADIDAS Originals – Future Shift – que descreve as novas tendências num leste ainda muito desconhecido e distribui as suas produções pelas redes sociais, mantendo o anonimato. Seria difícil ter uma noite incrível destas sem estas oportunidades criadas pelo MENT.
A artista portuguesa SURMA, candidata à edição deste ano do Festival da Canção, apresentou as suas mais recentes criações, entre uma nova pop muito fresca, com sintetizador e guitarra, numa combinação de efeitos sonoros e loops, e num formato one-man-band que muito agradou a um público que não queria que aquela noite acabasse. Surma AKA Débora Umbelino trouxe a Ljubljana e ao MENT uma entusiasmante perspetiva do que a música independente portuguesa que se faz hoje tem para oferecer. O concerto esteve quase a fechar a segunda noite do festival, num dos clubes mais emblemáticos do famoso espaço alternativo – Metelkova Mesto – onde a maior parte dos eventos culturais mais alternativos acontece. Teve sala cheia e rapidamente ganhou os corações eslovenos. Será muito benvinda numa próxima visita.
E também foram muito benvindos os portugueses We Bless This Mess, que passaram pela capital eslovena também em janeiro, para apresentar o seu novo álbum numa das melhores salas de espetáculos da capital eslovena – Kino Šiška – que em tempos foi um cinema. Estiveram de volta a Ljubljana, depois da sua visita ao festival MENT2018, para um entusiasmante concerto que teve momentos íntimos e foi quase um encontro de velhos amigos. O tão esperado tema Ocean, que segundo o autor fala acerca de respirar, traz um pouco da boa onda que tanto nos faz falta por cá, especialmente a meio do Inverno. A 17ª edição da Revista Sardinha vai escrever um pouco mais sobre estes temas e trazer entrevistas com We Bless This Mess, Surma e Nuno Saraiva. Chega em breve.