No artigo passado escrevi sobre muitas das coisas que amo fazer em São Paulo.
Há, no entanto, uma música muito especial que fala sobre São Paulo – “Sampa” – e ela começa assim: “Alguma coisa acontece no meu coração…”. Por conta dessa música, estive em dúvida sobre o nome deste artigo e do anterior (sim, já tinha este meio pensado), mas como quero falar do acontece no meu coração, aqui fica o título!
Alguma coisa acontece no meu coração que é uma saudade, ou um aperto maior que a saudade, um misto de tristeza e felicidade, algo que as palavras não conseguem traduzir.
Quem vive fora, ou quem tem família e amigos fora, fala sobre saudade. A saudade é uma das maiores desvantagens de se viver fora. Não é fácil, estar longe daqueles que amamos, perder aniversários, casamentos, divórcios, nascimentos, funerais, mestrados, doutoramentos, festas para comemorar promoções ou mudanças de carreira e outros eventos importantes da vida daqueles que estão no nosso coração.
É verdade que custa muito não poder tocar, abraçar e beijar essas pessoas em algumas dessas circunstâncias e que fica dentro de nós um sentimento contraditório, um aperto difícil de explicar, de muita, muita saudade.
Apesar de tudo, nem nos podemos queixar, porque a tecnologia veio facilitar muito a vida de quem está distante, que com simples mensagens de dia-a-dia consegue fazer sentir-se perto. E, não sei se por sorte minha, mas por incrível que pareça, há alguns amigos com quem estou poucas vezes por ano, e sempre que isso acontece, sentimo-nos como se ainda a semana passada estivéssemos estado a jantar juntos.
A internet é tão maravilhosa e poderosa, que permite que a minha filha abrace os avós, abraçando o Iphone ou o Ipad, ou que lhes tente dar um pouco da sua comida através do ecrã (tela) e que jogue às escondidinhas (pega, pega) com os tios através do Ipad. Talvez essas maravilhas não sejam percebidas por quem está do outro lado, mas eu maravilho-me sempre, em especial, com a capacidade que as crianças têm de superar a impossibilidade de estar fisicamente num lugar. Já pensaram como seriam há anos atrás em que apenas se sabia das pessoas por carta? Acho que temos alguma dificuldade em imaginar isso e, nossos filhos terão mais ainda.
Sei que tive muita sorte em imigrar por opção e numa altura em que existe internet e aviões. Penso muitas vezes nas pessoas que hoje não têm opção e que emigram para fugir da guerra ou fome e também, naqueles que há muito anos atrás, fugindo da guerra tiveram que passar meses num navio, muitas vezes sem saber do resto da sua família, até encontrarem um lugar onde pudessem desembarcar. Outro dia uma amiga contou-me que a avó dela era judia, tendo fugido da Polónia, na altura da Segunda Guerra Mundial, e que o barco onde ela e muitos outros viajavam ia descendo pela costa Brasileira, Uruguaia e Argentina, parando de porto em porto. O destino da avó dela era Argentina, mas ela acabou saindo no porto de Santos, no Brasil, pelas ofertas de trabalho que lhe ofereceram. Tempos difíceis com muitas outras histórias de recomeço de vida inspiradoras.
Começar a vida em outro lugar, seja do zero ou já com alguma estrutura, se habituar a uma nova cultura (por melhor que ela seja), mudar de casa, deixar a família, fazer novos amigos não é fácil e não é para todos. Mas é muito recompensador saber que conseguimos. Outra coisa que não é fácil e que não se fala tanto, é ter que dizer adeus a todos aqueles que passaram a fazer parte do nosso novo dia-a-dia, da nossa nova cidade e da nossa nova vida. Levo 7 anos e meio de São Paulo e já vi muitos irem embora. Uns voltaram para Portugal, outros foram viver para países como Estados Unidos, Chile, Inglaterra, Espanha, Suécia, Colômbia, Panamá…
Se deixar aqueles que nos acompanharam toda a vida ou grande parte dela não é fácil, dizer adeus a todos os que connosco partilharam esta nova vida, também não é fácil, porque aqui tudo se vive muito intensamente. Realmente, quando se vive fora tudo é vivido de forma mais intensa. Nós somos a família uns dos outros, nós somos o ombro amigo quando alguma coisa não corre bem e nós somos aqueles que estamos aqui para celebrar os nascimentos, aniversários, promoções de carreira, casamentos ou para dividir os momentos menos bons, frustrações pessoais e profissionais.
A primeira pessoa que vi regressar foi logo no ano em que cheguei. Na altura não foi difícil, porque estávamos no auge de ver as pessoas chegar, de conhecer as pessoas, fazer amigos, combinar idas à praia, fazer planos de viagens e de lugares a explorar, de ter um cronograma com almoços, jantares, passeios… E assim foi por um ano, dois, três… e as amizades solidificaram… depois o primeiro amigo foi embora, depois mais outro, mas muitos continuavam por cá e, portanto, as festas, as viagens e o convívio tudo continuava. E, alguns de nós foram tendo filhos, e mais alguns iam embora. Até que um dia vão embora os amigos mais próximos e olhamos as fotografias e percebemos como estamos ficando cada vez menos! E isso é bem difícil e esse é o aperto que acontece com o meu coração…
Por outro lado, olhando ao copo meio cheio, como o meu Brasil me ensinou a olhar melhor, temos as saudades para matar espalhadas por aí! Sim, porque matar saudades da família e dos amigos é sempre muito bom. E também temos um bom pretexto para ir conhecer novos países, porque como se diz “podes sair do Brasil, mas o Brasil não sai de ti”.
VISTO DE FORA
Dias sem ir a Portugal: 143 dias
Nas noticias por aqui: fala-se da vitória de Bolsonaro e de quem ele vai convidar para formar governo.
Um número surpreendente: segundo a ACNUR, em 2017, 33.866 pessoas pediram estatuto de refugiado ao Brasil, sendo que desses 17.865 vieram da Argentina
Sabias que por cá, por conta das várias vagas de imigração, existem comunidades vindas de todo o mundo: Portugal, África Itália, Alemanha, Japão, Holanda e China, nem todos se fixaram em São Paulo, mas aqui existem alguns bairros tipicamente conhecidos pelas comunidades que lá vivem.