Há coisas verdadeiramente maravilhosas na Alemanha, e uma delas é a feira da nossa vizinhança. Existe há apenas 3 anos, mas tem sido sempre um sucesso. Partiu da iniciativa de duas moradoras aqui do bairro que resolveram organizar um dia por ano, em Agosto, em que as casas do bairro abrem as portas aos seus jardins e pátios, para receberem compradores de bugigangas.
O evento chama-se Flohannes, que mistua a palavra Floh (isto é, pulga: um mercado da pulga é uma feira da ladra) e Hannes de Johannes o nome do nosso bairro.
Logo às 10 da manhã começa a malta a montar as mesas de cervejaria (2 tábuas com pés de metal daquelas populares nas tendas do Oktoberfest), e a trazer a tralha toda acumulada nas caves nos últimos anos e os brinquedos e roupas das crianças que já não usam ou não servem.
Mais ou menos a essa hora já andam os professionais das feiras a rondar os prédios para apanhar os melhores produtos logo cedo, antes do resto da malta. A cozinha de madeira dos nossos miúdos, ainda em bom estado, vai logo por 50€.
Os miúdos esses estão excitadíssimos porque neste dia o bairro também é deles. Andam à solta à procura dos amigos e juntos à procura de fazer também belos negócios comprando os brinquedos uns dos outros. O meu mais velho voltou para casa com um urso de peluche enorme, e o do meio com um daqueles laptop de brinquedos, ainda a funcionar bem, ambos custaram 5€.
O maravilhoso neste dia, é que invariavelmente está um tempo glorioso, e anda-se pelo bairro – um bairro antigo, com casas centenárias em estilo Victoriano – a visitar pátios e jardins normalmente escondidos, e a conviver com os vizinhos. Muitos vendem limonada ou cerveja, outros fazem waffles ou pipocas, e geralmente estão todos excitados, e a conversa é amena e mesmo divertida. Nalguns sítios há música e enfeites. Parece que quando se abre a porta, também se abre o coração.
Alguns perdem a cabeça e compram impulsivamente coisas que nem podem transportar. Mas tudo se resolve e os vizinhos concordam guardar os artigos para serem apanhados mais tarde.
O objectivo para nós é livrar de tralha que não queremos mais, mas que nos custa a deitar fora porque ainda pode ser aproveitado e usado por quem precise, assim que o preço não é importante, quase tudo vai por um euro ou até menos. Mas uma troca, por qualquer valor que seja, é mais equilibrada e honrosa para ambas as partes. Ainda assim um cesto tinha coisas que sabíamos que não se venderiam e estavam à disposição para serem levadas. Para outros é importante receberem o valor certo que atribuem às suas coisas e vendem menos.
Nalguns casos, face à inércia dos pais, os próprios miúdos pegam numa manta que estendem no passeio em frente às suas casas, e lá exibem os seus brinquedos ou pulseiras artesanais.
Os alemães não gostam de negociar. E não gostam de ser surpreendidos por um preço que aparece do nada. Assim que é bom ter um post-it com o preço base. Alguns pagam logo sem dizer nada e vão rapidamente embora, mas outros aproveitam para tentar, meio atrapalhados, fazer um bom negócio. Um vizinho meu vendeu a sua auto-caravana, relativamente nova, por um preço a rondar os 30.000€
Ao fim do dia, com o céu a ficar avermelhado, o calor a evaporar lentamente, o bairro ainda está vivo, os sorrisos ainda se trocam, mas todos estão cansados. A sensação de simplificar a vida livrando-nos dos excessos desnecessários é uma experiência catártica, e sabe bem. Quando se volta a casa encontram-se espaços novos que estavam escondidos debaixo de tralha. E os miúdos a contar o dinheiro nos seus mealheiros, cada um com quase 90€ novinhos. Aconselho-os a esperar por depois do Natal para irem aos saldos dos brinquedos, sabendo que paciência não é virtude infantil.
Durante a semana seguinte ainda se fala da feira, e já se anticipam as próximas coisas a serem vítimas de despejo na feira do próximo ano.