Lardo do Lilau
Já escrevi neste cantinho sobre a importância das mães no processo da emigração e no dia-a-dia do emigrante. Que não restem dúvidas do poder absolutamente sublime que o amor de mãe produz. No entanto, sinto-me injusta para com aqueles que tanto nos transmitem, muitas vezes sem saber. Falo, claro está, dos melhores amigos. Daqueles verdadeiros. Dos grandes amigos. Sem interesses, sem complicações, daqueles que não exigem a nossa presença para nos oferecer o seu tempo, o seu amor.
Ir a Portugal é, o tão já falado, processo intenso que é. Os malabarismos mirabolantes que os emigrantes fazem para conseguir estar com todos e mais alguns, sempre sem sucesso, já fizeram correr muita tinta nestas crónicas assinadas por quem está longe. No entanto, há quem mereça lugar de destaque – quem sabe o pódio de melhores amigos do mundo – nesses malabarismos.
O melhor amigo do emigrante sofre tanto ou mais que o próprio emigrante. A verdade é que também esta pessoa terá de criar novas rotinas, rotinas que eram ocupadas pela cerveja ao final da tarde, pelos longos telefonemas e os encontros na hora de almoço, ou os jantares lá em casa, e os domingos de bola, das compras, do cinema. Ou até, as tardes deitadas fora no sofá. Também esta pessoa sentirá que lhe falta uma parte importante no seu dia-a-dia. Também ela se questiona como será o outro lado, como estará o amigo ou amiga que viu partir. Se estará bem? Ou mal? Se o receberam bem. Toda essa aprendizagem é exigida ao melhor amigo que nunca decidiu sair do mesmo lugar, mas que viu afastado o seu companheiro de aventuras.
Este tipo de amigo, o melhor, comporta-se de maneira diferente de todos os outros amigos. Ele não precisa de ligar todos os dias, se bem que nos primeiros meses é possível que o faça. Vai fazendo um update das novidades, de duas em duas semanas, ou talvez mais. Ri, como ria quando estavam juntos e continua a partilhar como se ontem tivessem ido jantar. Com o melhor amigo o tempo parece não passar.
Nas visitas a Portugal este amigo tem um papel fulcral na nossa logística. Ele aponta no calendário a nossa chegada e a nossa partida e diz com a mais simplicidade “estou disponível todos os dias”. Não tem agenda, não exige ginásticas de kms ou horários, disponibiliza-se gratuitamente e não se importa de partilhar o mesmo espaço com outros, porque a única coisa que interessa é estarmos juntos. Estarmos bem. Interroga-nos sobre tudo com os olhos cheios de curiosidade e no fim lança um “tenho de lá ir”. Mesmo que isso implique um sacrífico. Mesmo que isso nunca aconteça. O melhor amigo quer genuinamente visitar-nos, ver o nosso mundo com os seus olhos. Não que desconfie. Não, o melhor amigo não desconfia, confia até de olhos fechados, mas quer percorrer os nossos relatos com os seus próprios pés. Quer sentir a humidade, a confusão, quer provar as comidas que elogiamos e conhecer os novos nomes que vamos apresentando.
Sentir a disponibilidade do outro quando visitamos a nossa terra faz-nos ter a certeza da vida. Faz-nos perceber a dimensão do amor que as verdadeiras amizades representam. Não há limites, não há desperdícios. Os melhores amigos fazem-nos sentir amados pela forma como se disponibilizam, como ficam felizes com os nossos sucessos e como nos entregam um descomplicado “diz o que precisas que faça” quando estamos enrascados. Os melhores amigos não vão embora quando lhes dizemos “é possível que não volte para Portugal tão cedo”. Não. Eles reagem de forma diferente. “Estou a ver que vou ter de ir ter contigo mais vezes”.
Os melhores amigos não percebem a importância que têm em nós. O conforto que nos dão quando vamos a casa, e a vontade que nos trazem de querer ficar. Ficar por e com eles. Os melhores amigos não sentem as saudades que as outras pessoas sentem. Não. São saudades diferentes. São saudades de melhores amigos. É que, aqueles que se amam assim, tão pura e verdadeiramente, nunca vivem longe, moram no coração um do outro. Seja a que distância for.