ARR
Mas deixei Portugal com dois grandes momentos de futebol no currículo: um grandioso Felgueiras-Guimarães para a Taça de Portugal e um irrepetível Portugal-República Democrática da Alemanha. Desde então recuperei o atraso na minha experiência futebolística pois já vi Benfica, Porto, Sporting, Braga e Guimarães numa dúzia de países europeus e em todas as competições europeias. E já são incontáveis as partidas disputadas pela seleção nacional nas quais sofri e gritei. E houve mesmo uma em que chorei. Foi em Paris, em meados de julho de 2016.
Dez anos antes, em junho de 2006, os portugueses que como eu viviam no Luxemburgo, viram a festa do Mundial na Alemanha estragada por uma surpreendente campanha contra a exposição pública de bandeiras portuguesas. É necessário recordar que dois anos antes, durante o Europeu português, Luiz Felipe Scolari tinha pedido que colocássemos bandeiras nacionais nas janelas e, obviamente, nós cá fora não fugimos à regra.
Já durante o Euro 2004 tinha sido lançado um discreto boato segundo o qual a lei luxemburguesa não autorizava que fosse hasteada em público nenhuma bandeira estrangeira, a não ser que a seu lado estivesse a luxemburguesa. Com a excelente campanha que a seleção portuguesa estava a realizar na vizinha Alemanha, os portugueses do Luxemburgo viveram o Mundial com bandeiras nas janelas, nos carros e mesmo nos guindastes que manobravam.
Foi neste contexto que um grupo de imprensa luxemburguês decidiu abrir as hostilidades e definir a demonstração de alegria dos portugueses como um ato chauvinista e uma manifestação de não-integração. A autora do primeiro artigo sobre o assunto preocupava-se ainda com questões estéticas porque “as bandeiras desfiguram as fachadas”.
O meu senhorio aproveitou a onda e enviou-me uma carta pedindo que retirasse a bandeira que tinha na varanda. O pedido era ridículo, tendo em conta que o prédio estava em obras e, por isso, coberto por enormes andaimes: a bandeira mal se via. Decidi ignorar o pedido e só guardei a bandeira no dia em que Portugal perdeu a “final pequena” contra os alemães. Mas aquela que ficou conhecida como “a guerra das bandeiras” tinha outras frentes, e algumas verdadeiramente inesperadas…
A RTL, à semelhança de muita imprensa portuguesa, achou que o assunto merecia uma peça e eu fui um dos entrevistados. Expliquei que não compreendia o problema e que nós, portugueses, estávamos apenas a expressar satisfação ao afixar bandeiras, da mesma forma como nos juntávamos no final dos jogos para comemorar com buzinadelas.
Nessa época eu colaborava com o referido grupo de comunicação social que tinha mostrado oposição às bandeiras portuguesas. Fui surpreendido por uma carta registada informando-me que o vínculo que nos unia estava terminado por eu ter manifestado publicamente “posições opostas às do grupo”.
Não preciso de explicar que vivi este divórcio com alegria. Seria muito difícil continuar a colaborar com uma estrutura que pretendia controlar a minha opinião e que demonstrava posições xenófobas. Eu… que nem gosto de futebol!
Percebi nessa altura que a seleção nacional faz muito pela autoestima das comunidades portuguesas. Ainda antes do título europeu que – não podia calhar melhor – foi conquistado no país com o maior número de emigrantes, nós cá fora vivemos com orgulho as vitórias de Portugal nos sucessivos europeus e mundiais.
Recordo-me especialmente do dia em que a senhora que fazia a limpeza em minha casa dizer que nunca teve tanto gosto em ir trabalhar como depois da vitória frente à Holanda, porque a sua chefe era holandesa e tratava “os portugueses como se fossem inferiores”. Perguntei-lhe o que fez no dia seguinte à vitória. A resposta foi uma lição: “Não lhe disse nada, senhor Raúl. Mas foi a primeira vez que fui trabalhar com uma camisola da seleção”.