Tudo na vida é uma questão de perspectiva, e nada melhor que 19582 quilómetros de distância e 12 horas de diferença para avaliarmos e questionarmos a maneira como encaramos as coisas. A distância tem o poder de relativizar e questionar até as verdades que temos como mais absolutas.
Viver na Nova Zelândia tem esse benefício. Assistimos de longe às loucuras que se vão passando pelo mundo, às desavenças da Europa, à insanidade que se vive nos Estados Unidos e escapamos, quase intactos, às flutuações da economia mundial e aos conflitos que vão existindo pelo globo fora. Há espaço para pensarmos no que é importante e dedicarmo-nos a isso. A qualidade de vida e o facto de estarmos imersos em paisagens magnificentes, fauna e flora incríveis abrem as portas à oportunidade de escolhermos outra lente. Temos uma certa imunidade à pressão de mantermos aparências, de apresentarmos sempre o nosso melhor lado e de competirmos com os outros e o resto do mundo.
A Nova Zelândia tem um estado de pureza e quase ingenuidade que não quero que se perca nunca. Muitos dirão que para aí se caminha, mas só se escolhermos a perspectiva redutora dos exemplos de negatividade a que nos expomos todos os dias por via dos media.
A negatividade tem destas coisas; permeia a mente à socapa, se deixarmos. E até no paraíso, se deixarmos a pequena percentagem de eventos indesejados que acontecem todos os dias assaltarem-nos a mente, desperdiçamos o poder de vermos a nossa realidade imediata como realmente é. E o meu testemunho é o do regresso às origens, à slow food, a plantarmos o que comemos, ao criar tempo para cozinhar, aos rituais familiares, à recusa da troca do que é autêntico pelo prazer efémero da conveniência instantânea. Acima de tudo, o regresso do respeito ao ambiente que nos serve.
Em Aotearoa, the land of the long white cloud (o nome Maori para a Nova Zelândia), vejo à minha volta a procura de alternativas melhores para as ofensas diárias ao ambiente que nos rodeia. Uma espécie de expansão da nossa consciência colectiva. De dizer a verdade sobre os erros que não podemos mais cometer.
As corporações apelam menos e menos todos os dias, em favor dos negócios éticos. Continuamos orientados para uma vida outdoors, com mais paz interior.
Muitos questionam se esta visão quase romântica é uma forma ignorar os problemas graves que, também aqui, se vivem, e de taparmos os olhos. Mas tenho que discordar; acredito que quanto mais ligados estamos a nós próprios e ao que nos rodeia, mais soluções encontramos, e é de soluções harmoniosas que o mundo precisa. O bem precisa urgentemente de mais tempo de antena.
A comunhão com a natureza afasta-nos do que é irreal, da parte (falsa) das nossas vidas criada por detrás dos ecrãs, onde divisões se criam por via digital, onde se critica tudo e todos no conforto da sala de jantar.
Há quem diga que viver na Nova Zelândia é quase como se se tivesse, de certa forma, parado no tempo. Outras culturas falam da falta de sofisticação dos kiwis. Concordo em parte, mas vejo essa falta de sofisticação como uma lufada de ar fresco. Os kiwis dizem o que pensam, de forma simples, humorada e não fingem ser quem são.
Esta falta de verniz é incrivelmente libertadora e deixa exposta, para quem quer ver, a genialidade, criatividade e simplicidade deste povo. Sem pretensões, torna-se mais fácil sentir na pele a magia da própria vida; do silêncio majestoso e imponente desta terra tão longe de tudo e de todos.
Engana-se quem pense que a insularidade é um handicap. Se abrirmos os olhos, perceberemos que é um privilégio para quem usa as lentes certas. E, se deixarmos, uma viagem de regresso a um mundo descomplicado e inerentemente bom.