Clothes maketh man – a roupa faz o homem.
O aspecto exterior da pessoa sempre foi um indicador do seu estatuto social e das suas posses na maioria das sociedades.
Fossem os tacões vermelhos da corte francesa proibidos a plebeus ou o uniforme dos carteiros austríacos, considerado demasiado formal e sujeito a fazer um humilde carteiro parecer um marechal de campo, o aspecto exterior é sempre uma afirmação, positiva ou negativa, face ao mundo.
Descurar o aspecto é também uma forma de demonstrar uma posição, tal como o cuidado extremo com a aparência.
Quando o líder do partido espanhol “Podemos” comparece (atrasado) à audiência com Sua Majestade Felipe VI propositadamente desleixado – dir-se-ia que acabava de voltar do supermercado – está a mostrar a importância que o aspecto exterior possui e o tipo de tomada de posição que evidencia.
Na Rússia as coisas não são muito diferentes, mas é sempre engraçado anotar as diferenças.
O comunismo prescrevia uniformização por dentro e por fora, e por isso o aspecto exterior devia ser simples e indiferenciado mas digno.
Digno pela consciência que o homem socialista deveria ter de ser um membro produtivo da sociedade, labutando apenas pelo bem comum e nada mais (bem comum esse que não lhe cabia definir, questionar ou redefinir, para isso já existia um comité criado para o efeito).
Vem a abertura, cai a União Soviética e quase tudo muda.
Percebeu-se que afinal havia diferenças. Por detrás dos anónimos fatos cinzentões dos líderes soviéticos havia afinal luxuosos apartamentos, grandes “dachas” e até colecções de automóveis.
Alguns trataram de rapidamente despir o fato de bom cidadão socialista e ornar-se dos artefactos do capitalismo, da liberdade e da iniciativa privada.
Como as hordas bárbaras que os precederam, varreram desta feita a Europa Ocidental umas novas hordas russas, não munidas de arcos ou montados a cavalo, mas refastelados em automóveis de luxo e fazendo tilintar anéis e correntes de outro de onde pendiam pesadas cruzes, acompanhados de esbeltas moças de olhar vazio e cães minúsculos no braço.
Nem todos foram nesta voragem de vaidade.
Muita da intelligentsia manteve, por opção ou manifesta insuficiência orçamental, o look soviético.
Vêem-se em vernisages e concertos; os cabelos mal penteados, fatos e vestidos antiquados (que provavelmente nunca estiveram na moda para começar), ostentando uma decadência digna que inspira algum respeito.
Muito provavelmente terei eu próprio julgado pela aparência pessoas de elevada craveira intelectual e cultural.
Nestes assuntos do aspecto exterior larga é a panóplia de armas no combate pela visibilidade e pelo sucesso.
Dizia-me alguém que para muitas jovens executivas russas, implantes de silicone no peito e injecções de silicone nos lábios são já acessórios indispensáveis para apresentar uma imagem de sucesso.
E alguns homens queixam-se por ter de usar gravata para ir trabalhar…
A importância do aspecto exterior, e a forma como os sistemas baseados em economias de mercado libertaram a torrente do desejo e nos levaram a desejar ter sempre mais e melhor trouxeram consigo também os problemas que conhecemos – ansiedade, enorme enfoque em apresentar uma fachada perfeita, consumismo.
Tudo pode ser sempre melhor, dizem-nos. Até nós.
A capacidade de tolerar a imperfeição vai rareando, e isso é simultaneamente mau e bom.
Desde que não me obriguem a ter implantes de silicone para triunfar no mercado de trabalho, fico já muito aliviado.