Quando, em Setembro de 2010, a chão tremeu pela primeira vez debaixo dos meus pés, pensei que fosse cena de filme.
Ser acordada de madrugada, de repente, com a cama a bater contra a parede, as portas a abrirem e fecharem-se repetidamente, objectos a caírem e o barulho ensurdecedor da terra a tremer, foi demasiado surreal.
É que das poucas certezas que temos na vida é a firmeza do chão que pisamos. Até a natureza nos mostrar que tudo não passa de uma ilusão.
A terra eventualmente parou de tremer, mas eu não. Recompus-me, agarrada ao meu marido e à minha filha, os três incrédulos com o que tinha acabado de acontecer. Sem sabermos bem o que fazer, voltámos para a cama, abraçados, nervosos, à espera da manhã, como se o nascer do sol trouxesse consigo mais certezas. Desde aquele dia, tudo mudou.
Com os terramotos, vêm as réplicas, e cada uma traz um aviso: somos pequeninos, e não há poder maior que o da natureza. É ela que manda, e é capaz de esmagar o complexo de superioridade da nossa espécie numa questão de segundos.
O primeiro terramoto em Christchurch foi de 7.1 na escala de Richter, mas foi o segundo, em Fevereiro de 2011 (com centenas de réplicas pelo meio), que causou a devastação da qual ainda há vestígios por toda a cidade. Aconteceu sem aviso, durante o dia, enquanto trabalhava num terceiro andar no centro da cidade, e foi uma experiência traumatizante, que me marcou para sempre.
Não é preciso descrever o que vi, e como arrasou a cidade – os media trataram disso – mas quero partilhar o que senti.
Durante cada tremor, a verdade é que não sabemos o que vai acontecer. Perdemos o controle total sobre as nossas vidas, e ficamos à mercê das forças maiores que nos regem. Nessa altura só pensamos numa coisa: as pessoas que amamos. Voltaremos a vê-los uma última vez?
A vida passa-nos à frente num flash, e, em meros segundos, pensamos em tudo o que ainda queremos fazer.
Quando percebemos que escapámos, queremos desesperadamente o alívio que só um abraço de um dos nossos garante. E entre o pânico e as emoções fortes, somos inundados pelos sentimentos de compaixão e preocupação pelos que estão à nossa volta naquele momento. Ajudamos estranhos, reconfortamos quem precisa, baixamos a guarda e damos tudo o que temos. Sentimos na pele a urgência da vida e de valorizar o que temos.
No rescaldo dos terramotos, os Neo-Zelandeses uniram-se para ajudar quem precisou e as demonstrações de solidariedade foram impressionantes, mas deixo os detalhes para outra crónica. O propósito deste texto é outro.
Foi o que se está a passar em Pedrógão Grande que me fez pensar novamente na intensidade do que se viveu em Christchurch.
Não sei o que será pior, mas é irrelevante. Sei que me aperta o coração. Não consigo imaginar a dor das pessoas que perderam tudo, e que vão ter que arranjar coragem para começar de novo. E a tristeza que sinto enquanto portuguesa, por ver uma tragédia destas acontecer às nossas pessoas, às nossas preciosas florestas e tudo o que isso representa.
Tal como aconteceu por cá, vai levar tempo a recuperar do choque. Ainda é cedo, mas, depois de chorarem as perdas, se nos permitirmos, sairemos mais conscientes da importância do amor, dos laços fortes que nos unem, da urgência da harmonia com o planeta que temos o privilégio de habitar, e da vontade inata que todos temos de contribuir para os outros.
É disto que somos feitos, e nada como a Mãe Natureza para nos relembrar.
Já que não podemos mudar o que aconteceu, que aprendamos o que pudermos. Por cá, aprendemos a dar mais valor uns aos outros, a descontrair mais, a criticar menos. Como nação, tomaram-se medidas para tornar a indústria da construção civil mais segura, para replanear a cidade a pensar na sustentabilidade futura, reviram-se leis e processos, corrigiram-se injustiças. Não foi perfeito, há muito a fazer. Mas sobretudo, saímos com a certeza de que, quando for preciso, não faltará ajuda.
Em Portugal, que aconteça o mesmo. E, sobretudo, que sirva de plataforma para agirmos em prol das comunidades rurais, da protecção das florestas, e das condições dos heróis que nos servem e protegem todos os dias.
É tentador tentar encontrar culpados, olhar para o passado, analisar cada “se”. Apontar o dedo dá-nos um conforto estranho e imediato, mas não serve um futuro melhor. O que precisamos é de compaixão, solidariedade, responsabilidade e liderança nas nossas vidas pessoais, para que possamos exigir e inspirar o mesmo nas comunidades a que pertencemos e nas organizações que nos servem.
Todos vivemos a vida como se o amanhã estivesse garantido. Sacrificamos um futuro sustentável pela satisfação imediata a qualquer preço. Adiamos uma vida com significado mais profundo, como se o “um dia” da vida estivesse garantido. Como se tivéssemos todo o tempo do mundo para desperdiçarmos no que não nos faz feliz; no que compromete a nossa integridade e aquilo que é realmente importante.
Aprendamos, sobretudo, que a vida é urgente.