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A coragem e a vontade de hastear a bandeira Portuguesa em terra nova está-nos no sangue.
Ainda que corramos o risco de acabar a viver à sombra da saudade, é o desejo de descobrir lugares novos e deixarmos o sabor português por onde passamos que nos leva a explorar o mundo.
Somos uma terra de pioneiros; (e) de emigrantes.
Mas a tarefa de honrar o passado, as raízes e, ao mesmo tempo, assentar arraiais por novas paragens sem pararmos no tempo, é uma dança delicada, que tem que ser aprendida devagar.
Tentar recriar Portugal na terra nova é ir contra o espírito do que a aventura propõe, e desperdiçar a oportunidade de viver tudo o que a experiência tem para oferecer.
Se é para emigrar, que seja para nos submergirmos na tribo que nos acolhe. O desafio é fazê-lo sem perdermos a nossa identidade.
Quando cheguei a Christchurch, foi isso que senti.
Fui com calma, para não me deixar fixar nas primeiras impressões e nas minhas expectativas. Sabia apenas que Christchurch é a maior cidade da ilha sul da Nova Zelândia e, como, tal, esperava tudo o que uma cidade “grande” tem para oferecer.
Deparei-me com uma vila disfarçada de cidade, apesar dos seus 400 mil habitantes. Mal havia prédios altos (isto mesmo antes dos terramotos), o trânsito era praticamente inexistente, as estradas imaculadas, muito espaço, poucas pessoas. Mas uma infra-estrutura robusta. Um contraste abismal com Londres, de onde me mudei.
Os kiwis são acolhedores, mas reservados. A versão dos dois beijinhos portugueses é o aperto de mão ou o “pat on the back”, e as expressões de afecto acontecem depois da meia-noite e uns copos valentes. Dançar sóbrio? Raramente, graças à herança deixada pela cultura inglesa.
O primeiro barbeque ensinou-me que, por norma, não se tempera a carne. Põe-se na grelha como vem, e serve-se com muito ketchup (ou tomato sauce). E que ao fim-de-semana se acorda cedo para cortar a relva, se não estiver a chover.
Nos jogos de rugby celebram-se os ensaios com contenção, a não ser que haja alcoól à mistura. À sexta à noite come-se ”fish and chips”, e a praia que fica a 25 minutos de casa é longe. Quando a praia está cheia, tem 30 pessoas.
Dez minutos de trânsito lento são o fim do mundo. E sim, há mais ovelhas que pessoas.
Os kiwis adoram adrenalina, desportos radicais e explorar a natureza. Têm um sentido de humor peculiar, adoram bricolage e não ligam à moda. E as mulheres vestem mesmo as calças, mas isso é assunto que merece texto próprio.
A cultura das celebridades é inexistente. Aliás, um jogador dos All Blacks pode ir ao café local sem que ninguém o incomode para autógrafos ou selfies.
Foram estas as primeiras impressões de Christchurch. Já vivi o suficiente para saber que em qualquer lugar do mundo se encontra de tudo, e que as generalizações nos limitam. Tudo depende do que se procura, e do nosso ponto de vista. Nem sempre o que parece é.
Confesso que, ao início, senti falta do dinamismo londrino, e da maneira como nós portugueses aproveitamos a vida, especialmente o lado social. E que esta calma toda, e este espaço todo me faziam confusão. Cheguei mesmo a confundi-los por falta de paixão nos kiwis. Mas são estas diferenças de que agora não prescindo e às quais atribuo a qualidade de vida disponível.
Aconteceu aos poucos. Fui apalpando terreno e assimilando os aspectos da cultura neo-zelandesa que mais aprecio. Sempre devagarinho, com jeitinho, para não perder de vista o meu lado português.
Aos poucos, ergui a bandeira. E já não há barbecue para o qual seja convidada onde não se tempere a carne.