Não é para me gabar, mas um dos meus variadíssimos talentos é imaginar histórias, ao ponto de adquirirem quase mais densidade do que a própria realidade.
Embarcava no outro dia para um voo quando a rapariga do check-in, em conversa com a minha mulher, a informou que a sua colega grávida havia sido recentemente abandonada pelo pai da criança, que aparentemente tudo terá feito para interpor o máximo de distância entre ele próprio e o nascituro.
No meio daquele momento absolutamente impessoal, entre passaportes e malas, construi logo na minha cabeça uma novela mexicana (ou seria colombiana?); imaginei a sensação da rapariga, o seu sentimento de revolta, ânsia perante o futuro, as opiniões de amigos e familiares, a sua determinação perante um futuro que se afigura difícil.
Esta triste revelação fez-me recordar uma outra conversa com uma pessoa conhecida sobre os homens e as mulheres russos.
Quem conhece um pouco da sociedade russa sabe que os homens têm uma certa reputação de pouca fiabilidade, não completamente imerecida.
Será cultura? Será tradição? Será chuva? Será gente?
A minha sociologia de café permitiu-me chegar a um bocadinho de verdade.
Dizia-me essa pessoa amiga, a propósito de um familiar do sexo masculino pouco propenso para o trabalho e mais dado à inacção, que a culpa é toda das mães.
Não sei se é do conhecimento geral, mas a Segunda Guerra mundial custou à União Soviética algo como 20 milhões de vidas, entre civis e militares.
Muitas mulheres chegaram ao armistício viúvas ou órfãs.
Aqueles a quem as balas não levaram deste mundo fê-lo a vodka, especialmente depois da queda do comunismo.
Este desequilíbrio entre sexos perdura ainda hoje na Rússia.
Isto quer dizer que muitos homens, e hoje os seus filhos, foram educados apenas pelas mães, que neles colocaram todo o seu enlevo.
Cresceram sobre a rocha inamovível destas mulheres guerreiras, protegidos e servidos como pequenos czares, hábito que não perderam.
Uma quantidade aparentemente inesgotável de mulheres atraentes e trabalhadoras garante a estes pequenos arquiduques um sustento aos seus egos, que não reconhecem outro mestre que não a sua vontade e o seu instinto.
Cada vez que levo a minha filha à aula de inglês em casa da professora, o marido está sempre no quarto a dormir até à hora do almoço; sei por outra pessoa que este rapaz se está a guardar para uma grande posição, e então prepara-se para esse desafio descansando o mais que pode.
Curiosamente a palavra russa para uma mulher casada significa literalmente “atrás do homem”, mas com homens destes, provavelmente terão que ser elas a ir à frente.
Para continuar a minha novela imaginada, espero que esta jovem mulher eduque o filho de forma a não repetir a leviandade do pai.