Um dia, uma conversa com um amigo levou-nos em busca de uma expressão que definisse uma pessoa que fosse amiga do seu amigo de forma desinteressada. Alguém que fosse genuinamente bom, alegre, sempre pronto a ajudar, defensor do que tem que ser defendido, sempre presente com um sorriso, mesmo quando rir é tudo o que não apetece. Chegámos à conclusão que a melhor definição para uma pessoa assim seria “ser humano extraordinário”. E também definimos que não era preciso cumprir critérios como passar três meses a distribuir alimentos pelas comunidades mais pobres, juntar-se aos escuteiros, embarcar numa viagem de ação social ou comprar uns pães a mais para dar ao sem abrigo que dorme à nossa porta para que alguém pudesse ser considerado “ser humano extraordinário”. Nada disso. Bastava – o que é muito mais difícil – ser uma pessoa com uma capacidade inata de constantemente espelhar e espalhar alegria, simpatia, disponibilidade, ajuda, humildade, simplicidade, força.
Conheço muito poucas pessoas extraordinárias. Sou capaz de contar aí umas quatro ou cinco e a quinta já é puxada a ferros. Não são obrigatoriamente pessoas com quem esteja frequentemente, mas são pessoas que admiro e que me fazem falta. E, estando longe, a viver fora, fazem ainda mais.
Tenho menos um ser humano extraordinário na minha vida. Não era a minha melhor amiga, não estava com ela todos os dias, mas ensinou-me muito ao longo dos últimos anos. Sem perceber e sem a mínima das intenções, ensinou-me o que é ser resiliente, sorrir no meio da mais profunda dor, abraçar cada dia com uma enorme alegria, querer estar com os “seus” aproveitando cada momento para estar com quem conta e passar para os outros a sua energia, mesmo quando já era pouca. Um ser humano extraordinário. Sem uma única dúvida.
Que me fez experimentar a perda à distância. Estar fora, quando alguém próximo do nosso coração morre, é tramado. Não há tempo para perceber, não há tempo para sentir. A logística toma conta de nós e aqui vai disto de marcar vôos, dizer aos nossos que estamos a caminho e despachar um pijama para dentro da mochila. Em poucas horas estamos a passar uma porta de embarque num aeroporto qualquer e quando damos por nós, estamos dentro de uma igreja, ainda agarrados ao “trolley” que faz barulho enquando rola na pedra fria, igreja fora. Não realizamos bem o que estamos ali a fazer – ainda esta manhã estava na Central Line aos encontrões a não sei quantos “commuters” mal humorados e mal cheirosos para tentar sair do comboio em Chancery Lane. E agora estamos aqui. A fazer o quê?
A razão pela qual ali estamos parece não fazer muito sentido, já que a maior parte das pessoas vem ter connosco de sorriso rasgado para perguntar como é que estamos, como está a correr a experiência, se os míudos se estão a dar bem e se a casa é confortável e num bairro calmo. Tentamos responder a todos ao mesmo tempo que tentamos interiorizar que aquela pessoa extraordinária não está ali. E que essa é a verdadeira razão da nossa vinda.
Depois, voltamos a acordar em casa, a levar encontrões de pessoas mal humoradas, que provavelmente nunca conheceram nenhum ser humano extraordinário, a tentar sair do metro na paragem certa e a levar mais uns safanões enquando tentamos saír da estação. Estamos outra vez afastados da realidade do dia-a-dia lá da terra, e por isso a rotina instala-se mais depressa e ainda que racionalmente saibamos que perdemos alguém muito importante, o coração diz-nos outra coisa. O coração continua a contar com esse ser humano extraordinário como se ainda respirasse e transmitisse força e espalhasse alegria. Enquanto isso, no nosso país, os nossos juntam-se, apoiam-se uns aos outros. Trocam estórias, fotografias, lágrimas, conversas e às vezes até umas gargalhadas . Porque os seres humanos extraordinários deixam-nos muitas gargalhadas.
Faz-se o luto.
Quando estamos fora, as pessoas não morrem. Ou se morrem, morrem mais devagar. Sobretudo os seres humanos extraordinários.
VISTO DE FORA
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