
Todos os dias, se estiver atento, aprendo sempre algo mais que me faz sentir pertencer a esta cultura. Diz-se por estas bandas que os assuntos não se tratam ao entardecer. Percebe-se porquê, o sol ilumina-nos sempre bem cedo, o calor aperta, os dias começam no começo. Alinhar agendas, reuniões, deslocações, urgências e prementes, contactos, telefones, emails, um corre-corre, porque o fim do dia é para organizarmos o que nos resta, salvarmos o que podemos e prepararmo-nos para o dia seguinte. O trânsito, os sorrisos matinais, o programa de rádio que nos acompanha, as músicas, as notícias, o frenesim matinal embala-nos para o dia, num ápice passamos das 7h30 para o meio-dia e sem darmos conta são seis da noite, num entardecer que nos encanta diariamente, como se todos os dias o espectáculo fosse diferente, trouxesse surpresa.
Aqui, por estas bandas, aprendo que o calor quente e húmido nos abraça, que o cheiro a terra nos impele, que o linguajar entre eles é uma morna encantadora, um misto de labirinto de sons musicais e uma bíblia de vida, entre a calma, o apaziguado e o acomodado. – Que fazer? Ouve-se tantas vezes, mas sem ser um baixar de braços, antes um destino que se aceita. Numa reunião, ou em tantas, quando a vista da cidade me fascina, na discrição possível ou no óbvio pedido, aproximo-me das janelas e fotografo e sei que o intangível fica-me na chapa mental, que nunca ultrapassa o que um telemóvel consegue captar: a infinitude, a beleza, a serenidade de uma cidade, de uma paisagem, que se estende diante de nós. Lá ao fundo o Mussulo, essa ilha que, por ainda tão virgem, tem mil encantos e em cujo mar, os mergulhos sabem a limpezas salgadas de uma semana louca.

Por estas bandas, trabalhar custa pela carga, mas recompensa pelo testemunho que passamos a quem nos rodeia. Um ano de eleições, de provações, de retrações económicas, de termos de desencanto, de realidades duras, de frases que começam com “não”, de sonhos adiados. Os anos não se medem nunca pela felicidade, mas pelos marcos negativos, as crises, as mortes as perdas, as férias que não pudemos fazer, os amigos que não vimos, o carro que não compramos, os livros, os filmes. O que mais desejamos não nos é bitola nem bagagem, é um suspiro inoportuno que nos faz viver as atribulações com mais força, forçada pelas angústias.
Por estas bandas, hoje, vou fazer uma visita a um imponente edifício, que também é a casa da democracia angolana: a Assembleia Nacional. Tenho a gratidão de poder visitar sítios emblemáticos desta nação. Um privilégio, para mim, que tenho no meu país poucas vezes tais oportunidades. Saber-me daqui a 40 anos a revisitar na memória estes locais inacessíveis à maioria. Ouvir histórias de actores do momento, partilhar ambientes, contribuir com ideias e ajudar no “fazer acontecer”.
Por estas bandas, olho o meu pequenino Portugal, numa excitação pueril de acontecimentos que nada trarão da espuma turbulenta em que acontecem. Ver, a esta distância, uma pequenez sempre tão pronta a apontar o dedo para emendar o destino alheio. Assisti, longe da euforia niilista europeia, à eleição de Trump, para me recordar que temos e tivemos tantos Trumps portugueses, sem que nós portugueses olhássemos claramente para a asneira de os elegermos. Daqui, a uns milhares de quilómetros, vejo um país pequenino, enfezado, a clamar por glórias efémeras, mas sem estacas para caminhar. E pergunto-me, todos os dias, em cada notícia que leio desse meu país, que planos tens tu para mim? Que nos ofereces, Portugal, a nós que estamos tão longe, quando regressarmos?
Por estas bandas, vejo um país a crescer, um quarentão na idade, mas ainda tão jovem, tão sedento de tudo e a poder tanto. 41 anos de Independência, 14 anos de Paz, uma riqueza imensa cujo bem maior são as pessoas. E a terra e as pessoas, e os cheiros, a luz, o calor, os ritmos, os sons e as pessoas. Tudo se vive no sentir, dos excessos na falta e na abundância, nos tambores que só em áfrica se ouve com o sol deste continente. A dimensão espelha-se nas distâncias e também no horizonte. São os primeiros 41 anos.
– São sete cafés?
– São, mas o meu é café do Uíge.
– Duplo?
– Sim isso mesmo!
VISTO DE FORA
Dias sem ir a Portugal: 71
Nas notícias por aqui: Dólar nas ruas nos 490 kwanzas e com “tendência para baixar”
Sabia que por cá… a 11 de Novembro se comemoram 41 anos de Independência, ou a Dipanda!
Um número surpreendente: O volume dos acordos de intenção e tramitação de projectos de investimentos assinados no Fórum de Investimento Angola-China, que encerrou anteontem, em Luanda, está avaliado em 1,29 mil milhões de dólares.