Os média ditos tradicionais estão debaixo de três frentes de baixas pressões que, conjugadas, fazem por estes dias uma tempestade perfeita. A primeira é conhecida de todos: a crise prolongada que, na última década, tem determinado a redução drástica das receitas publicitárias e das vendas, graças à massificação das redes sociais, a digitalização da leitura e ao facto de os grandes monopólios digitais abocanharem a fatia de leão do bolo publicitário à custa dos conteúdos alheios. Tudo isto agravado pelo facto de a maioria dos leitores não percecionar que produzir informação de qualidade, que sustenta a democracia e faz o escrutínio dos poderes públicos e privados, custa dinheiro e que é preciso pagar por ela.
A segunda frente, que também provém do advento das redes, é a era dos populismos que fazem da simplificação, da superficialidade e da mentira instrumentos de luta política e angariação de votos. Como os média de qualidade personificam a luta contra tudo isso, está na cartilha de todos os grandes populistas fazerem sacos de pancada dos meios de referência que fazem contraditório e expõem as suas fragilidades, tentando desacreditar o valor do jornalismo da mesma forma que desacreditam a Ciência e os cientistas. A terceira frente que atormenta os média é mais recente – a pandemia e o confinamento, que ao ditar um abrandamento económico tão rápido e nunca visto fez desaparecer anunciantes e vendas em banca. Se a situação já raiava, nalguns meios, o dramático, com a pandemia ficou trágica. Paradoxalmente, na altura em que é mais necessária e valorizada a informação de qualidade, ela fica sem base de sustento.
Foi para fazer frente a esta situação de verdadeira calamidade pública – porque os média são garantes fundamentais da democracia – que o Governo entendeu avançar com um programa de apoio. Não veio resolver os problemas estruturais – e para esses há uma série de propostas em estudo que podem trazer um contexto mais favorável para a produção de informação e para a leitura, algumas apresentadas pela Trust in News – , veio apenas fazer face a uma situação conjuntural no contexto da pandemia. O ministério cometeu vários erros, é certo, o primeiro dos quais a falta de divulgação dos critérios utilizados que são racionais e defensáveis, o que deu azo a muitos equívocos e a teorias da conspiração que poderiam ter sido evitados.
Importa esclarecê-los. Em primeiro lugar, não se trata de um subsídio, mas de uma compra adiantada de espaços publicitários que serão utilizados até ao final do ano. E a base de cálculo de atribuição era conhecida da Plataforma de Meios Privados e dos grupos que apresentaram as suas contas ao ministério. Inclusivamente daqueles meios que vieram recusar o apoio, mas só depois de conhecerem o valor que lhes coube, quando dele tinham conhecimento semanas antes: o Observador e o Eco. Se o tema era uma questão de princípio, porque não recusaram logo no início do processo antes de passarem a informação de contas? Não quero acreditar que os princípios variam conforme o tamanho do cheque.
Esta recusa foi feita com base em argumentos que deixam uma suspeição sobre todos os outros meios e que é absolutamente inadmissível para a VISÃO. Argumentos estes que são fracos, quando olhamos para a sua base: por que razão serão então, afinal, menos independentes os meios que aceitam uma compra de espaço publicitário pelo Estado, que é “cega”, pública e indiscriminada, do que os que a recusam, mas vivem de subsidiação de dezenas de empresários com agendas políticas e interesses privados?
A isenção, a independência e o rigor fazem parte do ADN da revista VISÃO, que não se verga perante quaisquer poderes públicos, interesses privados ou agendas mais ou menos ocultas. Acima de tudo, são os códigos deontológicos dos jornalistas que aqui trabalham, o interesse público e o sentido de missão que colocam na sua profissão, que nos guiam todos os dias na nossa abordagem editorial. Os nossos princípios, como felizmente os de tantos outros jornalistas em Portugal, são inalienáveis. E não aceitamos lições de independência de ninguém.