É nestes momentos que vale a pena recordar uma frase do neurocientista António Damásio: “Nós não somos máquinas de pensar que sentem, somos máquinas de sentir que pensam.” Cada vez mais, é importante ter consciência de que as nossas decisões começam a ser formadas, na maioria dos casos, pelas nossas reações emocionais e não por análises racionais – por mais que proclamemos que “pensamos pela nossa cabeça”.
A verdade, como os cientistas comportamentais têm referido, é que nem sequer costumamos tomar decisões sozinhos. Somos seres humanos e estamos, por isso, habituados a pensar em grupo – e, como as redes sociais têm demonstrado e amplificado, escolhemos pertencer aos grupos que pensam e reagem como nós.
Podemos tentar acreditar que, se tiverem acesso a mais informação, as pessoas terão maior capacidade para tomar decisões de uma forma refletida e racional. Não é isso, no entanto, o que tem acontecido. Tanta comunicação abundante e quase instantânea tem reduzido, isso sim, o nosso tempo de reflexão sobre a informação que recebemos. E começou a obrigar-nos, com maior frequência, a tomar mais decisões rápidas e emotivas, a classificar os factos como bons ou maus, a assinalar um “gosto” ou um “não gosto” em cada tema ou assunto. Na leitura científica de António Damásio, isso tem contribuído para um aumento de “opiniões polarizadas” sobre os acontecimentos sociais e políticos – e para uma fuga coletiva para “as crenças e as opiniões predefinidas, em geral as do grupo a que o indivíduo pertence”.
É neste quadro que temos de olhar para os resultados das eleições que, nos últimos tempos, têm sobressaltado o mundo. Mais do que procurar o “racional” que levou hordas de eleitores a darem vitórias a líderes que defendem o oposto do que, há bem pouco tempo, considerávamos ser o progresso natural da civilização, precisamos de, rapidamente, começar a olhar para a forma como eles têm conseguido, isso sim, manipular as emoções. E precisamos de, acima de tudo, travar a obsessão pelo discurso polarizador – que, estamos avisados, vai entrar em força nas eleições europeias do próximo ano.
Não é por votarem num fascista que as pessoas se tornam fascistas (apesar de muitos votantes de Jair Bolsonaro, por aquilo que se leu e ouviu, serem mesmo tão fascistas como o homem que quase ia “limpando” as presidenciais brasileiras logo à primeira volta). A verdade é que muitos dos que votaram agora Bolsonaro foram os mesmos que, no passado, votaram Lula. Tal como, em França, foi identificada, há já algum tempo, a transferência direta de muitos eleitores comunistas para as fileiras da família Le Pen.
Se queremos que as sondagens voltem a acertar nos resultados das eleições, é melhor deixar de perguntar aos eleitores em quem eles “pensam” votar, mas sim apurar o que eles “sentem” pelos candidatos. É isso que, todos os dias e sem que dêmos conta, já fazem as máquinas de Inteligência Artificial e os algoritmos que nos “vigiam” e nos levam a comprar, por impulso, objetos e produtos em que nunca tínhamos “pensado” mas de que “sentíamos” necessidade. Agora faz-se isso também com os votos, como se provou no escândalo da Cambridge Analytica, com os dados de milhões de pessoas do Facebook que decidiram a eleição de Donald Trump. O discurso de todos os populistas é dirigido diretamente às emoções, criando uma narrativa paralela, de confronto direto ao “sistema”, forjada em “mentiras mil vezes repetidas que se tornam verdade” e que apela a sentimentos básicos como o medo e a raiva. A arrogância de superioridade que as elites costumam ter sobre esse discurso – ou a cegueira de Haddad que o impede de pedir desculpa pelos casos de corrupção no Brasil – só tem feito aumentar a polarização. E, aos poucos, fazer crescer a raiva de eleitores que sentem já nada mais ter a perder.
Em 1992, James Carville celebrizou a frase “É a economia, estúpido”, para explicar como Bill Clinton podia derrotar George Bush, apesar de este ser considerado imbatível por ter vencido a Guerra do Golfo. Agora, se nos surpreendemos por o Brasil poder vir a ter um Presidente fascista, xenófobo, misógino, homofóbico e racista, só temos de reformular a frase e repetir para nós próprios: “É a raiva, estúpido.” E, já agora, perceber de onde ela vem.