É mesmo verdade que as conversas são como as cerejas. Repare-se na questão do secretário de Estado das Finanças obsequiado pela Galp. Primeiro era só ele, depois foram mais dois. Rapidamente o problema alastrou à bancada do lado e passou a haver três eleitos sociais-democratas e dois autarcas sob suspeita. Mas a coisa não ficaria por aqui: em pleno verão, a polémica avançou, qual fogo tocado pelo vento em floresta inacessível, e passou a discutir-se se quem questiona as oferendas tem legitimidade para fazer, pois o que sobra são jornalistas, colunistas, editores e diretores que aproveitaram viagens e bilhetes de favor.
Ou seja: é mais ou menos como aquele aluno cábula que, apanhado a copiar, logo grita “então e os outros”. Os outros escaparam, tu não, tem lá paciência.
Há seguramente muitos membros de governo, deputados, jornalistas, responsáveis e comentadores que recusaram benesses. Quando se invoca que haverá outros tantos que não o fizeram – quando se grita “cadê os outros” como ironizava Jô Soares –, o que se pretende é impedir que se pronunciem os que estão de consciência tranquila e passado limpo. Os que recusam as ofertas são a prova viva de que não é necessária muita reflexão para se perceber que não há almoços grátis. Quem os aceita tem de estar prevenido para quando chegar a fatura. Pode não pagar, mas lá que a fatura surgirá… É difícil de perceber? Claro que não. Saliente-se que Passos Coelho e Matos Rosa, que não teriam qualquer dificuldade em sacar uma borlazita, foram a expensas próprias.
Basta reparar nos cargos dos secretários de Estado que foram convidados pela Galp: Assuntos Fiscais, Indústria e Internacionalização, além do da Energia que não aceitou. Não tocou nada ao da Cultura, da Educação, da Defesa ou da Saúde. Que interesse têm para a Galp? Claro que, nas deferências para com a Comunicação Social, também há uma hierarquia nas propostas: a circulação, a credibilidade, os leitores alvo, a permeabilidade, eles lá sabem…
Exatamente porque estas são práticas questionáveis, a bem da transparência os órgãos de comunicação mais criteriosos recusam muitas propostas e as que aceitam e dão origem a textos levam a menção de que “o jornal viajou a convite”. Por regra não são os jornalistas que aceitam os convites, são as direções que marcam os serviços. Será que os três secretários de Estado aceitavam deslocar-se com o anúncio público da prebenda, depois de pedirem autorização ao primeiro-ministro?
A transparência é, de resto, a questão central. Quando se soube, pelo Observador – na sequência do caso Rocha Andrade, revelado pela Sábado – que Luís Montenegro, Luís Campos Ferreira e Hugo Soares também tinham viajado, alegadamente a convite de Joaquim Oliveira, da Olivedesportos, o segundo recusou esclarecer invocando que se tratava da sua “vida privada”, o último não quis falar e os outros dois estiveram incontactáveis. Não é isto que impõem as normas da democracia. Saber quem paga viagens e bilhetes a deputados não é entrar no foro privado se o ofertante não fizer parte da vida privada do beneficiário. Se foi a mãe, a mulher, os filhos, um padrinho rico, então isso é lá com eles. Mas se foi uma empresa, uma organização, um empresário, o caso muda de figura. A arrogância é intolerável.
Acresce que o comunicado que os três deputados sociais-democratas difundiram é tudo menos esclarecedor. Eles levaram 18 horas a assumir que suportaram “o custo das respetivas deslocações”, mas esqueceram-se de dizer quem pagou bilhetes e refeições, pelo que, ao contrário do que pretendem (“o presente esclarecimento põe cobro à inusitada especulação”), fica muito por esclarecer. Falta dizerem porque estiveram tanto tempo em silêncio e porque não referem quem pagou os bilhetinhos, seguramente bem mais caros que a viagem. Os agraciados agiriam de forma diferente se não tivessem tido os privilégios agora conhecidos. Talvez não. Mas como é só talvez, façam favor de recusar ofertas, anunciar as que recebem (verão que se tiverem de o fazer passam a recusá-las…) e não mentir ao Parlamento na justificação das faltas. A viajar aprende-se muito. Nestes casos, esperemos que tenham aprendido a mudar de hábitos