Anda por aí uma curiosa experiência, chamada “justiça restaurativa”. É um projeto europeu que dá agora os primeiros passos em Portugal, 30 anos depois de ter começado nos EUA, Canadá e Nova Zelândia, segundo o Diário de Notícias, jornal onde li a novidade.
E em que consiste esta “justiça restaurativa”? Nem mais do que em confrontar o criminoso com a vítima e, em conjunto, fazerem-nos discutir a experiência que tiveram em comum. Consta que ganham ambos: quem se portou mal percebe a dor que causou, como fez sofrer aquela pessoa em concreto e sente como foi despropositado e inadequado o seu comportamento; os ofendidos parece que acabam por receber alguma “satisfação moral” e ficam mais compreensivos perante os agressores, cujos passados passam a conhecer. Uns ganham consciência, os outros beneficiam com a tranquilidade.
Em Os Lusíadas, Camões escreveu que “melhor é experimentá-lo que julgá-lo / mas julgue-o quem não puder experimentá-lo”.
Dizia o poeta que sentindo os problemas se reage de forma mais adequada. Olhemos para Lisboa, para o que Jorge Sampaio e João Soares fizeram ao Casal Ventoso depois de melhor conhecerem o bairro que era símbolo da toxicodependência; ou o que tem feito Rui Moreira pelo Bairro do Cerco, em Campanhã, que desde há muito conhece e que mostrou a Marcelo Rebelo de Sousa na ida ao Porto, logo na primeira visita pós-tomada de posse. E quantos ministros levaram para os governos problemas que tinham sentido nas suas anteriores vidas? Experimentadas as dificuldades, fica bem mais urgente ultrapassá-las.
Melhor exemplo não há do que as reflexões que José Sócrates, ex-primeiro-ministro, foi fazendo sobre a Justiça portuguesa à medida que ia percorrendo o Calvário que tantos outros já tinham cumprido. O antigo governante pôde experimentar muitas das medidas que os seus governos fizeram aplicar e não foi brando a julgar várias das leis que tinha mandado publicar em Diário da República. Como ele se queixou da falta de direitos dos arguidos, como criticou as prisões preventivas, como lamentou as violações de segredo de Justiça. Julgou, experimentando – como preferia o poeta.
Afinal, esta justiça restaurativa, se bem percebi, passa muito pelo reconhecimento das vantagens de experimentar, para melhor julgar. É preciso perceber o mal que se causa e como sofre quem foi atingido para melhor entender o erro cometido; e é bom conhecer o que leva alguém à maldade, antes de proferir discursos implacáveis.
Que o digam, também, os jogadores franceses. Enquanto da seleção nacional portuguesa apenas conheciam as críticas da imprensa francesa – que era fraca, que não deveria ter chegado à meia-final, que não sabia jogar, que não metia medo a ninguém –, não deveria ser muito grande o receio de experimentar afrontá-la. Agora, porém, já experimentaram. Já podem julgá-la melhor.