Estou absolutamente convencido de que um dos principais fatores de aproximação, nas sondagens de opinião, entre a coligação PSD/CDS e o PS tem um nome: Grécia. Aliás disse genericamente isso mesmo quando, há algumas semanas, me referi à humilhação que a Europa decidiu infligir ao país. Uma coisa, repito-me, era impedir a ideia de que o crime compensa e de que a aventura do Syriza podia levar a algum lado. Outra foi dar uma lição achincalhante a todo um povo, que deixará marcas profundas na construção europeia, e que foi egoisticamente decidida a pensar apenas nos eleitorados internos dos vários países que saíram vencedores da contenda.
Isto dito, é evidente que o PS tem uma enorme quota de responsabilidade pela posição em que se encontra. Tal tem sido a quantidade de tiros no pé com que, masoquistamente, se tem entretido desde há alguns meses. Mas, regresso à ideia, a coligação parecia ter percebido um facto evidente: ninguém pode estar muito feliz com o rumo que a sua vida levou nos últimos quatro anos. Não discuto a inevitabilidade de boa parte das medidas tomadas nem entro agora na discussão de saber se o executivo foi ou não além da troika. Não estou, por outras palavras, a fazer aqui uma avaliação do Governo. Estou a tentar fazer pura análise política. Que é o que o Governo também terá feito. Em face do descontentamento inevitável de pensionistas, funcionários públicos, desempregados e esmagados pela carga fiscal (que somos todos nós), a estratégia inteligente era a de jogar com o medo. Até ao passado dia 9 foi esse o alicerce da estratégia eleitoral da coligação. Tenha medo, tenha muito medo. Nós fomos mauzinhos mas o que aí vem sem nós será muito pior. E a verdade, por mais cínica que seja a orientação, é que a estratégia é inteligente e está a dar frutos.
Eis então que o impensável acontece. No debate do passado dia 9, Passos deixou-se enredar numa armadilha que lhe pode sair muito cara. Deixou cair a cínica mas até aqui eficaz estratégia do medo e entreteve-se a jogar com um autocarro à frente da baliza durante uma hora e meia. Escolheu o passado para centro do combate político e jogou tudo na defesa e na justificação das “maldades” que – sejamos justos – em boa medida foi obrigado a infligir ao País. Erro fatal. Ninguém quer voltar a pensar no que penou nestes últimos anos, ninguém quer ouvir justificações para as sovas que todos levámos. Em vez de acenar com o papão das novas travessuras a que – era o guião anterior – um governo do PS inevitavelmente conduzirá, limitou-se a relembrar de forma masoquista as que ele próprio protagonizou.
Como se não bastasse, deixou o palco das promessas para António Costa e, porventura mais marcante porque de promessas estamos todos um pouco fartos, deixou que este exibisse à cidade e ao mundo o bom trabalho que fez à frente da Câmara Municipal de Lisboa.
Cereja em cima do bolo, alguém se lembrou de convidar Miguel Relvas para fazer as despesas da defesa do seu ex-chefe. Se a ideia até pode fazer sentido do ponto de vista jornalístico, é obviamente suicida para o PSD e sobretudo para Passos.
Tudo pesado, a coisa trouxe-me à memória o Manhattan Murder Mystery, de Woody Allen: uma noite de jackpot neurótico para a coligação. Resta saber se este espalhanço tem alguma consequência. Até porque a única certeza que vamos tendo é que, de um e de outro lado, parecem existir reservas infinitas para mais tiros no pé.