Acompanhem-me, se tiverem pachorra, a mais um passeio pela Grécia. Tal como era previsível quando se discute religião, as conclusões tiradas sobre o primeiro round do embate Syriza – “Instituições” foram de natureza eminentemente emocional ou até mística.
A esquerda, a que foge o chinelo para o revisionismo histórico sempre que as coisas não correm como deseja, fez autênticos contorcionismos intelectuais para ver vitórias onde, evidentemente, as não há. Faz mal. Os problemas só se resolvem com diagnósticos corajosos e lúcidos. ?E, gostemos ou não, a verdade é que o Syriza perdeu, neste primeiro embate, em toda a linha. Foi ajoelhado e humilhado pela força esmagadora de um rebanho europeu cada vez mais acriticamente conduzido pelo seu pastor alemão.
A direita só supostamente liberal que temos cá pelo burgo (isso dava conversa para mais uma tarde) não escondeu o seu júbilo com a vitória humilhante sobre o marxismo tresloucado do Comandante Tsipras e do seu Ernesto Varoufakis. Mas acontece que a sua histeria e sua a estridência foram exactamente proporcionais ao tamanho do seu primário disparate. Por uma razão simples: não perceberam que o que está em causa é, não um combate entre as ideias tresloucadas do Syriza e as “instituições”, mas a oportunidade para olhar para o desafio grego como uma oportunidade para, de forma lúcida e crítica, no melhor espírito liberal, refletir sobre a política económica imposta por Berlim nos últimos anos. Refletindo, igualmente sem apriorismos, sobre as consequências ?políticas que daí possam advir para a arquitetura institucional europeia.
Para já não invocar Vítor Bento que admiro pela sua honestidade intelectual, permitam-me que, em defesa desta minha tese, me socorra da edição de 31 de janeiro de um conhecido panfleto de estrema esquerda que dá pelo nome de The Economist. A tradução é livre: “O Sr. Tsipras tem razão em dois pontos e engana-se redondamente num terceiro. Está certo quando diz que a austeridade na Europa tem sido excessiva. As políticas da sr.ª Merkel têm estrangulado a economia do continente e conduziram-na à deflação. O atrasado quantitative easing proposto pelo BCE é aliás a admissão disso mesmo. O sr. Tsipras tem também razão quando diz que a dívida grega, que cresceu de 109% para uns colossais 175% do PIB nos últimos seis anos, é impagável. ?A Grécia devia entrar num programa de perdão de dívida como qualquer país africano falido. Mas o Sr. Tsipras está errado quando se propõe abandonar as reformas no seu país. Os seus planos para readmitir 12 mil funcionários públicos, abandonar as privatizações e aumentar o salário mínimo” (as tais ideias tresloucadas) “deitariam a perder a competitividade tão duramente ganha pela Grécia. Daí a solução proposta por este jornal: levar o Sr. Tsipras a deitar para o lixo o seu socialismo louco, focando-se nas reformas estruturais em troca do perdão da dívida. (…) A combinação do easing macroeconómico com as reformas microeconómicas estruturais poderia até fornecer um modelo para outros países como a Itália e até a França”.
Infelizmente, por cá, enquanto Passos e Costa olham para a Grécia como um problema de mero tacticismo eleitoral interno, quase todos os outros inteligentes continuam, na verdade, a discutir religião.
Assim exista, Deus há de reservar-lhes um lugar no paraíso. Enquanto não lá chegam, brotarão por milagre, por essa Europa fora, mais uns quantos Syrizas.